Já conquistou todos os direitos; basta que eles sejam honrados
Prof.ª Carmen Dolores Carvalho Rodrigues Gonçalves (*)
Quando fui convidada a escrever este artigo, em comemoração ao “Dia Internacional da Mulher”, fiz a seguinte reflexão: Será que, em pleno século XXI, ainda há motivos para justificar a designação de dias específicos para homenagear seres caracterizados pelo gênero, pela cor, ou então, por sua condição social ou familiar?
De acordo com a Constituição Federal, todos são iguais perante a lei, inclusive, homens e mulheres, não é verdade? Ora, nossa Constituição vigora desde o século passado, ou seja, há mais de vinte e cinco anos. Então, por que temos datas específicas para homenagear as mulheres?
Talvez minha visão simplista seja decorrente da educação de vanguarda que recebi. Embora tenha nascido no início da década de 70, época em que nosso país enfrentava os resquícios da Ditadura Militar, tive a sorte de ser filha de uma professora visionária, que trabalhava durante dois períodos do dia e que, no terceiro, estudava, para poder dar melhor educação aos filhos e prosperar financeiramente. Não bastasse isso, tive, por exemplo, a mulher que me educou – minha avó, a Dona Dina, enfermeira “diplomada” da Santa Casa de Misericórdia de Santos – mulher guerreira que criou e educou sua filha sozinha, que constituiu patrimônio, fruto dos longos anos de trabalho, com muita dignidade.
Mulheres e homens, para mim, sempre foram seres humanos iguais, e essa condição não justificava, aos meus olhos ingênuos de outrora, a concessão de direitos e garantias especiais, com finalidade de possibilitar a igualdade entre gêneros, que já era expressamente garantida, pela Carta Magna.
Amadureci. Logo, não posso negar que, ao longo desses meus quarenta e dois anos de idade, acabei percebendo, fora do seio familiar, a lamentável diferença que existe entre homens e mulheres. Ao longo do exercício de minha profissão, vi, vivi e estudei a evolução da mulher, à luz de suas conquistas jurídicas.
No início do século XX, as mulheres não votavam, não podiam exercer cargos públicos, tampouco, outras atividades, como o comércio. Não tinham o direito à propriedade. Logo, a herança a que faziam jus era transferida aos maridos, o que as conduzia à submissão econômico-financeira. Os legisladores eram do gênero masculino e produziam leis de acordo com seu interesse. Vivia-se um ciclo vicioso.
Também, aprendi que no Brasil, na década de 30, no século passado, a mulher conquistou o direito ao voto e depois dele passou a ter acesso a uma infinidade de direitos civis. Analisando os acontecimentos mundiais, constatei que, após a Revolução Industrial, a mulher adentrou ao mercado de trabalho e que depois disso, passou a ocupar posições de destaque.
Como disse, foram muitas as conquistas protagonizadas pelo gênero feminino e a Constituição Federal, de fato, poderia ter posto aquela pá de cal, que eu esperava, sobre toda essa questão, uma vez que nela todos foram considerados iguais, tendo, inclusive, o antigo Pátrio Poder sido substituído pelo Poder Familiar.
Contudo, não posso deixar de notar que, em pleno século XXI, problemas persistem, uma vez que as mulheres ainda percebem salários um terço menores do que os que são pagos aos homens, apesar do Censo Demográfico de 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelar que 37,3% das famílias brasileiras estão sendo chefiadas e, por óbvio, garantidas por mulheres.
Na minha singela opinião, o maior problema enfrentado pela mulher do século XXI é a violência doméstica, noticiada dia a dia na mídia, praticada no âmbito familiar. Parece-me que ela se tornou ainda maior com a evolução dos tempos. Tristemente, constato que a mulher ainda submete-se a força física.
A Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) foi criada para coibir esse tipo de violência. Tipificou a violência doméstica como crime, reconhecendo se tratarem de formas de violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Antes da vigência dessa lei, a violência contra a mulher, no máximo, caracterizava o crime descrito no CP 129, mas, na maioria das vezes, era considerada infração penal de menor potencial ofensivo (art. 61 da Lei nº 9.099/95). Diante disso, o autor do delito, geralmente do gênero masculino, quase sempre se beneficiava de sua força física, pois a legislação admitia a transação penal, que acabava por converter a pena privativa de liberdade em pena pecuniária.
Penso que a mulher do século XXI já conseguiu todos os direitos que um dia lhe foram negados e tanto é assim que nossa Lei Maior já os reconheceu expressamente. O que falta agora é fazer com que suas conquistas sejam honradas e respeitados os direitos que lhe foram assegurados.
(*) Profª Carmen Dolores Carvalho Rodrigues Gonçalves é formada pela Faculdade de Direito da Universidade São Francisco (São Paulo), Pós-graduada em Direito Público pela Escola Paulista de Direito (EPD), Mestre em Direito Ambiental pela Universidade Católica de Santos. É professora do Curso de Direito do UNISAL São Paulo/Campus Santa Teresinha.