Projeto político-pedagógico: “panaceia” da educação escolar?

O projeto político-pedagógico detém a centralidade das ações educativas da escola

Marcos Pereira dos Santos (*)

120px-Felicidade A very happy boyEste artigo tem como principal objetivo efetuar uma reflexão filosófica (radical, rigorosa e de conjunto) sobre o projeto político-pedagógico escolar em termos de definição conceitual, importância para o processo ensino-aprendizagem e elaboração de seus pressupostos filosóficos.

Para tanto, faz-se necessário, em primeiro lugar, apresentar algumas noções básicas acerca do que vem a ser planejamento, plano, proposta e projeto; tendo como aporte teórico as concepções de Lück (2004) e Tosi (2003), o que nos permite assegurar que:

* Planejamento: diz respeito a um processo; a algo que vai se complementando, simultaneamente, no decorrer da execução de uma determinada tarefa.

* Plano: explicita o planejamento de forma objetiva; é o documento propriamente dito, resultante do processo de planejamento e que contém uma programação específica.

* Proposta: trata-se de algo (ainda) não aprovado, e que está em processo de elaboração.

* Projeto: termo derivado do latim projectus; projectum ou projicere; correspondendo à ação de lançar para frente, de se estender; extensão; desígnio; intento; abertura para o novo, o universo de possibilidades, a imaginação e a criação.

Sendo assim, temos resumidamente que: projeto = planejamento + plano + proposta. Todavia, a junção de todos esses elementos dá origem ao que chamamos de projeto político-pedagógico. Mas, o que é projeto político-pedagógico? Qual a sua gênese histórica? Qual a sua importância para a escola?

Segundo Vasconcellos (2005, p.169), o projeto político-pedagógico escolar também é assim denominado: “projeto educativo, projeto didático, proposta pedagógica, projeto pedagógico, projeto educacional, projeto de estabelecimento, plano diretor, projeto de escola, projeto didático-pedagógico, projeto político didático-pedagógico ou projeto de ensino-aprendizagem”. Em alguns casos, o projeto de ensino-aprendizagem é entendido ainda como uma partição do projeto político-pedagógico, recebendo os nomes de “plano de curso”, “plano de ensino” ou “plano de estudos”.

Em linhas gerais, pode-se dizer que o projeto político-pedagógico escolar nada mais é do que o resultado de políticas públicas internacionais de educação. Seu surgimento na história da educação se dá quando a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) promove a Conferência Mundial de Educação para Todos, em 1990, na Tailândia, dando origem à Declaração de Jontiem, que gerou posteriormente o Relatório Jacques Delors (DELORS, 2000); o qual faz alusão aos quatro pilares da educação ou do conhecimento: aprender a ser, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a conhecer (ou aprender a aprender).

O projeto político-pedagógico detém a centralidade das ações educativas da escola. Em certa medida, descentraliza o poder ideológico e desburocratiza o “pensar” e o “fazer” da instituição escolar. Ele articula os meios e fins da educação escolar, orientando a práxis docente. Ao servir de instrumento de autoformação dos professores, faz com que os mesmos efetuem uma reflexão crítica sobre as suas práticas pedagógicas (binômio reflexão-ação). Trata-se de um documento de cunho legal e teórico-metodológico que deve ser elaborado de forma coletiva, organizada, lógica, sistemática e democrático-participativa/colegiada pelos agentes escolares (professores, equipe gestora e demais funcionários); contando ainda com a colaboração de pais de alunos e da comunidade externa à escola.

Dizemos isso, porque o projeto político-pedagógico reflete a identidade, as metas, a missão, a linha pedagógica (concepção/corrente/tendência pedagógica), enfim, a filosofia de trabalho da escola. Ele expressa o compromisso político e pedagógico da escola para com a sociedade, isto é, traz à tona o “pensar” e o “fazer” da escola de forma eficiente (processo de “saber fazer” bem alguma coisa) e eficaz (resultado da eficiência). É detalhado pelo Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE) ou Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), sendo considerado o “projeto guarda-chuva” da escola (VASCONCELLOS, 2006); uma vez que serve de referência para todos os outros projetos a serem desenvolvidos pela instituição escolar (projetos interdisciplinares, projetos temáticos, “Pedagogia de Projetos” etc.), bem como para a elaboração de planos de curso, planos de ensino e planos de aula por parte dos professores.

Nesse contexto, é possível afirmar que o projeto político-pedagógico é o cerne, a síntese das atividades didático-pedagógicas a serem desenvolvidas pelos professores na escola; haja vista que expressa objetivos educacionais (gerais e específicos), realidades, compromissos, condições concretas de trabalho, métodos/técnicas de ensino, formas de avaliação (somativa, formativa, processual-contínua etc.), conteúdos curriculares (atitudinais, conceituais e procedimentais), necessidades, possibilidades, limitações, desafios e expectativas. Daí a necessidade de o projeto político-pedagógico escolar ser minuciosamente planejado, elaborado de forma coletiva, bem executado e rigorosamente avaliado ao término de sua “vida útil” na escola.

Ademais, torna-se profícuo destacar ainda que a expressão “projeto político-pedagógico” é mais utilizada no âmbito acadêmico e escolar atualmente, embora muitos estudiosos dessa temática, a exemplo de Morastoni e Malinoski (2006) e Rocha (2004), concebam ser mais adequado usar a terminologia “projeto pedagógico”, tendo em vista que o termo político é redundante, pois quando se tomam decisões, se fazem escolhas e se firmam compromissos sociopolíticos e educacionais e o mesmo já está implícito no aspecto pedagógico.

Sobre essa questão, Veiga (2001, p.13) assim se posiciona:

O projeto busca um rumo, uma direção. É uma ação intencional, com um sentido explícito, com um compromisso definido coletivamente. Por isso, todo projeto pedagógico da escola é, também, um projeto político por estar intimamente articulado ao compromisso sociopolítico com os interesses reais e coletivos da população majoritária. É político no sentido de compromisso com a formação do cidadão para um tipo de sociedade. A dimensão política se cumpre na medida em que ela se realiza enquanto prática especificamente pedagógica. Na dimensão pedagógica, por sua vez, reside a possibilidade da efetivação da intencionalidade da escola, que é a formação do cidadão participativo, responsável, compromissado, crítico e criativo. É pedagógico, portanto, no sentido de definir as ações educativas e as características necessárias às escolas de cumprirem seus propósitos e sua intencionalidade. Político e pedagógico têm assim uma significação indissociável no que diz respeito ao projeto pedagógico escolar.

Em outros termos, esta assertiva pode ser ainda interpretada do seguinte modo: o projeto pedagógico escolar apresenta, por si só, um viés político (no sentido não partidário). Sendo a educação um ato político (FREIRE, 1996), tal aspecto refere-se ao compromisso com a formação do cidadão para um determinado tipo de sociedade almejada, fazendo alusão às opções e decisões da escola. Nesse contexto, a dimensão pedagógica do referido projeto diz respeito à definição das ações educativas da escola em termos de realidade, necessidades e intencionalidades. Daí, talvez, a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei Federal nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996), não utilizar a expressão “projeto político-pedagógico” em sua redação textual, mas “proposta pedagógica” (artigo 12, incisos I e VII; e artigo 13, incisos I e II) e “projeto pedagógico” (artigo 14, inciso II).

Além desses fatores, é interessante salientar também que o projeto político-pedagógico escolar é, grosso modo, fruto da competência (técnica, humana e política) dos professores e da autonomia (relativa) da escola no que tange aos aspectos administrativo, pedagógico, financeiro e jurídico; conforme explicita a LDBEN nº 9.394/96, em seu artigo 15 (BRASIL, 1996).

Se competência diz respeito ao “saber-fazer” mais geral, podemos assegurar que as competências técnica, humana e política se adquirem através da reflexão e análise crítica, das experiências/vivências e práticas, e do estudo contínuo; as quais levam a escola à conquista de sua autonomia (relativa). Portanto, não é algo outorgado. Mesmo sendo relativa, a autonomia administrativa, pedagógica, financeira e jurídica da escola apresenta um caráter descentralizador e não burocrático, expresso principalmente nas práticas de gestão escolar participativo-democrática (ou gestão colegiada).

Para que a instituição-escola seja capaz de conquistar essa autonomia tão almejada, faz-se necessário que os professores desenvolvam com competência suas atividades pedagógicas, tendo como referencial básico os princípios/marcos/fundamentos/pressupostos filosóficos contidos no projeto político-pedagógico escolar, que contêm os critérios gerais de orientação para o bom funcionamento da escola.    

O marco filosófico (conceitual ou doutrinal) retrata o ideal geral da escola, ou seja, as concepções de homem, mundo, sociedade, educação, cultura (geral, escolar e da escola), aluno, professor, ensino, aprendizagem, instituição educacional e valores sociais como um todo (honestidade, respeito, ética, justiça etc.). Expressa a finalidade da escola, isto é, o seu “para quê?”. Corresponde à direção, ao horizonte maior da escola. Oportuniza a explicitação e o debate de concepções divergentes, tendo em vista a busca de consenso e a efetivação de princípios sociais fundamentais, tais como: igualdade, fraternidade, qualidade de vida, liberdade, respeito, eticidade, moralidade, cidadania, solidariedade, civilidade, equidade e culturalidade, entre outros.

Grosso modo, a elaboração dos pressupostos filosóficos do projeto político-pedagógico escolar não é uma tarefa simples. Exige, por parte do coletivo da escola, uma dose redobrada de atenção, reflexão, criticidade e logicidade, tendo em vista a realização de escolhas e tomada de decisões (utopia-fim). No intuito de auxiliar os agentes escolares nesse processo, apresentamos a seguir, apenas a título de sugestão, algumas indagações que podem nortear o trabalho de construção dos fundamentos filosóficos do projeto político-pedagógico da escola; tendo como referência os estudos realizados por Rocha (2004) e Veiga (2000):    

* Que tipo de sociedade queremos construir?

* Que tipo de homem/pessoa humana/aluno desejamos formar?

* Que finalidade almejamos para a escola?

* Que papel desejamos para a escola em nossa realidade?

* Qual é o contexto filosófico, sociopolítico, econômico e cultural em que a escola está inserida?

* O que significa ser uma escola voltada para a “educação básica”?

* Que valores devem ser defendidos na formação dos alunos como sujeitos sociais?

* Que experiências queremos que os alunos vivenciem no dia a dia de nossa escola?

* O que entendemos por cidadania e cidadão?

* Em que medida a escola pode contribuir para a cidadania?

* Em que dimensão a escola propicia a vivência da cidadania?

* A formação da cidadania tem sido o fio condutor do trabalho pedagógico da escola?

* Até que ponto a escola se preocupa em colocar o aluno como centro do processo educativo?

* Como a escola pode/deve responder às aspirações dos educandos, dos pais de alunos, dos professores e da comunidade externa à escola?

* Qual é o papel da instituição-escola diante de outros espaços sociais formadores (família, igreja etc.)?

* Quais as decisões básicas referentes ao que, para que, e a como ensinar, articulados ao para quem?

* Que referenciais teóricos se fazem necessários para fundamentar o projeto político-pedagógico, a fim de que o mesmo possa servir, efetivamente, para a transformação da realidade escolar?

* O que significa construir o projeto político-pedagógico como prática social coletiva?

* Outras.

Face ao exposto, esperamos que o projeto político-pedagógico, longe de ser considerado um “modismo pedagógico”, uma “arma política”, um “antídoto didático-pedagógico”, ou mesmo a “panaceia” da educação escolar, seja efetivamente concebido pelos profissionais da educação como um “documento de identidade” da escola, um instrumento eficaz e eficiente para o desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem escolar.

Que possamos, pois, deixar de lado os velhos paradigmas educacionais (tradicionais/conservadores) e abrir brechas para possíveis redimensionamentos, deslocamentos e rupturas, haja vista que “um projeto político-pedagógico somente é bom quando contém, em si, a força-motriz que o faz entrar em execução. Ele deve ser tal que seja mais fácil executá-lo na prática do que simplesmente guardá-lo na gaveta” (VEIGA, 2000, p.28), ficando dessa forma à mercê da poeira, da ação corrosiva de insetos e do esquecimento (quase) sepulcral; enfim. Pensemos a respeito!     

 

Referências

BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília: Diário Oficial da União, de 23/12/1996.

DELORS, J. Educação: um tesouro a descobrir – Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre educação para o século XXI. 4.ed. São Paulo: Cortez; Brasília: MEC/UNESCO, 2000.

FREIRE, P. R. N. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 14.ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996. (Coleção Leitura).

LÜCK, H. Planejamento em orientação educacional. 16.ed. Petrópolis: Vozes, 2004.

MORASTONI, J.; MALINOSKI, M. G. S. Do projeto político-pedagógico para um projeto político e pedagógico: um contrato entre gestores, professores e alunos. In: Revista Athena. Curitiba: Editora da UniExp, v.6, n.6, p.17-25, jan./jun., 2006.

ROCHA, D. Projeto pedagógico: ensaio de uma abordagem filosófica. In:__________. (Org.). Filosofia da educação: diferentes abordagens. Campinas: Papirus, p.93-112, 2004. (Coleção Papirus Educação).

TOSI, M. R. Planejamento, programas e projetos: orientações mínimas para a organização de planos didáticos. 2.ed. Campinas: Editora Alínea, 2003.

VASCONCELLOS, C. S. Planejamento: projeto de ensino-aprendizagem e projeto político-pedagógico – elementos metodológicos para elaboração e realização. 14.ed. São Paulo: Libertad, 2005. (Coleção Cadernos Pedagógicos do Libertad – v.1).

__________. Coordenação do trabalho pedagógico: do projeto político-pedagógico ao cotidiano da sala de aula. 6.ed. São Paulo: Libertad, 2006. (Coleção Subsídios Pedagógicos do Libertad – v.3).

VEIGA, I. P. A. Perspectivas para reflexão em torno do projeto político-pedagógico: In: VEIGA, I. P. A.; RESENDE, L. M. G. (Orgs.). Escola: espaço do projeto político-pedagógico. 2.ed. Campinas: Papirus, p.9-32, 2000. (Coleção Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico).

VEIGA, I. P. A. Projeto político-pedagógico da escola: uma construção coletiva. In: __________. (Org.). Projeto político-pedagógico da escola: uma construção possível. 13.ed. Campinas: Papirus, p.11-35, 2001. (Coleção Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico).

 

prof-marcos-pereira web(*) Marcos Pereira dos Santos é doutorando em Educação, linha de pesquisa “Ensino e Aprendizagem”, pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Escritor, poeta, cronista e articulista. Professor adjunto de Filosofia Geral e Filosofia da Educação na Faculdade Sagrada Família (FASF), junto a cursos de graduação (bacharelado/licenciatura) e pós-graduação lato sensu, em Ponta Grossa – Paraná. Endereço eletrônico: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.     

 

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