A prática da pesquisa na vida social e escolar: pontos e contrapontos

Sem pesquisa não há ciência, nem tampouco tecnologia

Marcos Pereira dos Santos (*)

Crystal Clear app katomicPesquisa é uma palavra que veio do espanhol. Este, por sua vez, herdou-a do verbo latino perquiro, que significa “procurar, buscar com cuidado, informar, perguntar ou aprofundar na busca de algo”. Por alguma lei da fonética histórica, o primeiro “r” desse termo latino se transformou em “s” na passagem do latim para o espanhol, originando o verbo pesquisar que conhecemos hoje.

A pesquisa faz parte do cotidiano da vida social e escolar, implicando uma ação prática de busca cuidadosa, profunda, minuciosa e rigorosa acerca de alguma coisa que desejamos saber ou almejamos conhecer.

Fazemos pesquisa em muitas situações corriqueiras do dia a dia, sem que muitas vezes nos apercebamos disso. Por exemplo: quando você, pensando em alugar uma casa, abre a página de classificados do jornal e vai marcando os anúncios que lhe interessam; quando quer comprar um televisor e sai pelo comércio anotando tamanho, modelo, marca e preço, para depois comparar e se decidir; ou quando deseja dar um presente de aniversário a um amigo e telefona para a mulher dele perguntando o que poderia agradá-lo – está fazendo pesquisa.

A simples consulta ao relógio para ver que horas são; a espiada para fora da janela a fim de observar o tempo climático; a batidinha na porta do banheiro para saber se tem gente dentro; o ato de ler a bula de um remédio antes de tomá-lo; recorrer ao manual de instruções do aparelho de videocassete; consultar o dicionário e a lista telefônica ou ainda remexer papéis velhos atrás daquela preciosa receita de bolo da vovó são também alguns gestos rotineiros que podem ser considerados rudimentos de pesquisa.

Diante de todas essas atitudes cotidianas, torna-se difícil imaginar qualquer ação humana que não seja precedida por algum tipo de investigação, ou seja, por uma prática de pesquisa. Situação mais ou menos semelhante ocorre no âmbito escolar, quando os alunos da Educação Básica se veem diante da tarefa de desenvolver um “trabalho de pesquisa” solicitado pelo professor de determinada disciplina. Nesse caso, a pesquisa rudimentar deve ser deixada de lado, cedendo lugar à chamada pesquisa científica, isto é, à investigação feita com o objetivo expresso de obter conhecimento específico e estruturado sobre um assunto preciso.

No entanto, na maioria das vezes os “trabalhos de pesquisa” realizados, geralmente em grupo, pelos estudantes do Ensino Fundamental e Médio apresentam muito pouco ou quase nada de teor científico, uma vez que se configuram apenas como simples transcrições literais, cópias e recortes avulsos de trechos de livros didáticos e/ou sites da internet; o que constitui crime de direito autoral (plágio) sujeito a penalidades legais cabíveis.

Além do treino da escrita manual ou mesmo da ação mecânica de clicar o mouse sobre um texto da web, nada há de pesquisa científica nessa atividade. São trabalhos escolares superficiais, feitos pelos alunos apenas com o intuito de “ganhar nota” e sem que haja qualquer resquício de preocupação por parte dos mesmos em (re)construir conhecimentos, adquirir novos saberes, desenvolver o senso crítico e realizar uma análise reflexiva acerca da temática de pesquisa proposta pelo professor em sala de aula.  

Face ao exposto, torna-se relevante destacar que o professor é o principal responsável pelo não ensino da pesquisa científica na escola de Educação Básica. Dizemos isso, porque em geral o “comando” dado pelo docente na solicitação de um “trabalho de pesquisa” consiste em apenas pedir aos alunos que anotem, laconicamente, as seguintes informações: “Trabalho de pesquisa. Tema: X. Valor: Y. Data de entrega: Z”. E nada mais. Tal procedimento consiste em uma atitude impiedosa e antipedagógica que gera, nos educandos, comodismo ou estresse emocional injusto e desnecessário. Cabe, pois, ao professor comprometido com a aprendizagem orientar e mediar todo o processo de desenvolvimento do “trabalho de pesquisa” por ele solicitado, informando aos educandos o que é e como fazer uma pesquisa científica na escola.

Atentar para essas questões é fundamental, visto que sem pesquisa não há ciência, nem tampouco tecnologia. Tanto isso é verdade que quase todas as grandes empresas do mundo de hoje possuem um departamento denominado “Pesquisa e Desenvolvimento” (P&D), onde trabalham técnicos e cientistas altamente qualificados que estão sempre buscando dar um passo à frente para a obtenção de novos produtos que respondam melhor às exigências cada vez maiores dos consumidores ou, simplesmente, que permitam vencer a concorrência.

Se não houvesse pesquisa, todas as grandes invenções e descobertas científicas da humanidade não teriam acontecido. A velha história da maçã caindo na cabeça do físico e matemático inglês Isaac Newton (1643-1727), fazendo-o “descobrir” a lei da gravidade, por exemplo, não passa de mera alegoria. Se a queda da maçã fez Newton pensar na gravidade, é porque certamente ele já vinha refletindo, pesquisando cientificamente acerca do fenômeno.

Nas universidades, a prática da pesquisa científica também é muito importante. O professor universitário que se limita a ministrar suas aulas sem estar engajado em algum projeto de pesquisa não é visto com “bons olhos” pelos seus colegas de trabalho. Afinal, a universidade não pode ser apenas um “depósito” do conhecimento científico historicamente acumulado ao longo dos séculos. Ao contrário, ela deve ser também um locus gerador de novos conhecimentos científicos úteis para o desenvolvimento das sociedades. E esses conhecimentos novos só se conseguem ... pesquisando!

Pesquisa é algo sério, pois ela é o fundamento de toda e qualquer ciência digna deste nome. Portanto, quando alguém vier lhe falar de alguma “ciência”, fique atento e procure saber quais foram os últimos avanços conquistados por essa “ciência”. Se não existem avanços é porque não houve pesquisa, e se não houve pesquisa é porque não é ciência.

Ademais, vale salientar que as habilidades de raciocínio lógico, observação, formulação e testes de hipóteses – em uma palavra, de independência de pensamento – são um pré-requisito indispensável à formação de indivíduos capazes de aprender por si mesmos, refletir, criticar o que aprenderam e criar conhecimento novo. É, contudo, nesse setor que o atual sistema educacional brasileiro tem-se mostrado particularmente falho: se há algo que nossos alunos, em geral, não desenvolvem durante sua vida escolar é exatamente a independência de pensamento.

Os estudantes brasileiros e, muitas vezes, também os professores, são tipicamente dependentes e submissos à autoridade acadêmica, ficando convencidos de que a verdade científica se encontra, “pronta e acabada”, nos livros didáticos e na cabeça das grandes sumidades intelectuais. Daí decorre, em parte, a perniciosa concepção de que Educação é antes de tudo “transmissão de conhecimentos”; quando deveria ser, em primeiro lugar, procura de conhecimento e desenvolvimento de habilidades e competências.

Pensar sobre a importância da pesquisa na vida e na escola consiste, em suma, numa tarefa extremamente necessária. À instituição-escola, em particular, cabe o papel não apenas de “repassar conteúdos”, mas ensinar a aprender, isto é, criar diferentes possibilidades para que os alunos consigam chegar sozinhos às verdadeiras fontes de informação e conhecimento que estão à sua disposição na sociedade. Nesse contexto, pesquisar está longe de apenas costurar a ermo alguns retalhos de ideias existentes num balaio e tentar, com elas, fazer “ciência”. Sendo assim, faz-se urgente que a escola e, também, a universidade, transformem a atividade de pesquisa científica numa verdadeira fonte de aquisição e (re)construção de conhecimentos e, acima de tudo, ensinem seus alunos a pesquisar.

Não podemos, pois, jamais tratar a pesquisa com indiferença, menosprezo ou pouco caso. Se quisermos que nossos alunos tenham algum sucesso na sua vida profissional futura, seja ela do tipo artística, comercial, científica, industrial, técnica, religiosa, intelectual ou de qualquer outra natureza, é fundamental e indispensável que eles aprendam a pesquisar. E só aprenderão a pesquisar se os professores souberem ensinar. Esse é, enfim, o único caminho!  

(*) Marcos Pereira dos Santos é doutorando e mestre em Educação pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Escritor, poeta e professor adjunto do Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais (CESCAGE), em Ponta Grossa (PR). Endereço eletrônico: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

Comentários   

0 # Nádia Silva 08-11-2012 10:33
As opiniões do Professor Marcos são muito pertinentes.
Precisamos colocar aos nossos alunos a ideia de que pesquisa não é simples "CRTL C + CTRL V".
Muito bom o artigo. Parabéns!
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0 # Alessandro Perez 08-11-2012 10:35
Também concordo plenamente!
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0 # Valter Camargo da Rocha 19-07-2013 17:47
Muito bom e claro esse texto. Ensina com habilidade em como o escritor pode despertar o interesse geral pela leitura. É o melhor caminho para novos autodidatas e incentiva as novas pesquisas.
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