Locke foi um importante teórico que muito contribuiu para o avanço da Ciência em geral
Marcos Pereira dos Santos (*)
À guisa de esclarecimento inicial, faz-se mister informar aos(às) estimados(as) leitores(as) que este breve ensaio científico, de viés analítico crítico-reflexivo, se configura como sendo o produto final (porém sujeito a possíveis adequações, complementações, ampliações, reformulações, elogios e críticas construtivas) de um trabalho avaliativo originalmente desenvolvido e apresentado pelo autor supra aludido ao Curso de Licenciatura em Filosofia da Faculdade Entre Rios do Piauí (FAERPI) Ao concebermos que tal temática merece uma discussão teórica minuciosa e mais aprofundada, optamos então por elaborar um ensaio científico, o qual ora torna-se de acesso e domínio público (**).
Posto isto, torna-se profícuo salientar que o presente ensaio científico, de cunho analítico crítico-reflexivo, tem como principal objetivo trazer a lume alguns apontamentos gerais concernentes à teoria do conhecimento em John Locke (1632-1704) no âmbito de uma abordagem psicoantropológico-filosófica, a qual teve grande repercussão social, ideológica e acadêmico-científica principalmente durante a Idade Moderna dos séculos XV a XVIII., ou seja, desde a invenção da imprensa de Gutenberg (s.d.), no século XV, até o início do movimento filosófico e artístico-literário denominado Iluminismo (também chamado de Idade da Ilustração, Época do Esclarecimento ou Século das Luzes), que se estendera de 1680 a 1780 (século XVIII) e fora originário da antropologia filosófica de Locke e do mecanicismo newtoniano – concepção de que os fenômenos se explicam por conjuntos de causas mecânicas, isto é, de forças e movimentos.
Recuar no tempo para precisar, com relativa segurança, onde se encontram as raízes históricas, sociais, políticas e culturais alusivas às primeiras especulações psicoantropológico-filosóficas sobre a natureza humana e a gênese do conhecimento é uma tarefa deveras importante e significativa, embora muito complexa, haja vista que desde que o homo sapiens tomou consciência de si mesmo vem se indagando e pesquisando cientificamente a respeito de tais aspectos nas diferentes culturas e sociedades humanas. (LARAIA, 2004)
Nesse sentido, para se efetuar algumas análises e reflexões críticas referentes à teoria do conhecimento em Locke, na perspectiva da Psicologia Moderna e da Antropologia Filosófica Moderna, torna-se imprescindível, de acordo com Bock, Furtado e Teixeira (2002), fazer (hierarquicamente) menção à Filosofia, Antropologia e Psicologia (última Ciência particular a se “desligar”, de forma relativa, da Filosofia no século XVII); dadas as inúmeras contribuições teóricas destas diferentes áreas do saber no que tange à especulação, descrição e explicação científica sobre a natureza da psyché (vocábulo de origem grega que significa alma ou mente) humana e o comportamento humano em suas múltiplas facetas e dimensões.
Semelhantemente aos períodos históricos antecedentes, na Idade Moderna (séculos XV a XVIII) também ocorre o advento de diversas psicologias e antropologias filosóficas, de modo que a concepção filosófica moderna de homem passa por transformações radicais, adquirindo destaque especial as abordagens humanista renascentista (passagem do teocentrismo para o antropocentrismo), racionalista cartesiana (razão humana é a sede principal do saber) e empirista inglesa (experiência humana configura-se como o constructo basilar do conhecimento).
No que diz respeito à natureza da mente e do conhecimento humano, em específico, as discussões psicoantropológico-filosóficas gravitam em torno do problema da existência ou não de ideias inatas, tendo como fontes primárias de investigações científicas as concepções do filósofo grego Platão de Atenas (427-347 a. C.), do filósofo racionalista francês René Descartes (1596-1650) e do filósofo empirista inglês John Locke (1632-1704).
Locke foi um importante teórico que muito contribuiu para o avanço da Ciência em geral. Como a maioria dos demais filósofos de sua época histórica, tomou como ponto de partida as concepções filosóficas apregoadas por Descartes. Entretanto, divergira substancialmente do racionalismo cartesiano quanto à natureza do conhecimento, apresentando assim uma teoria do conhecimento que iniciou um movimento filosófico conhecido como empirismo (do grego empeiria = experiência sensorial; experimento; experimentação) e que pode ser definido conceitualmente como sendo uma “doutrina filosófica de origem inglesa que admite que o conhecimento provém unicamente da experiência humana, notadamente em termos de sensações e percepções” (GUERREIRO, 2001, p.72).
Segundo pesquisas científicas desenvolvidas por Pereira (1990), ao se entender a teoria do conhecimento como o estudo do valor e dos limites do conhecimento, especialmente da relação entre sujeito e objeto, ou ainda como o estudo da formação de ideias, noções ou conceitos, é possível afirmar, grosso modo, o seguinte:
O empirismo inglês (século XVII) foi uma importante versão do racionalismo. John Locke (1632-1704) foi seu principal representante. A antropologia de Locke traçou a imagem do ser humano que prevaleceu nos séculos XVIII e XIX. Segundo ele, o que distingue o homem é o trabalho de seu corpo e a obra de suas mãos, cujo produto, incorporado ao Estado, lhe oferece uma propriedade. O indivíduo e Deus são os únicos soberanos na sociedade. Nela, o indivíduo encontra sua autonomia no isolamento de sua vida privada. (CÉSAR, 2015, p.3)
Em linhas gerais, pode-se afirmar que o empirismo apregoa que todas as ideias do ser humano são provenientes das percepções sensoriais, haja vista que nada vem à mente humana sem ter passado anteriormente pelos órgãos dos sentidos humanos (tato, olfato, paladar/gustação, visão e audição). Isto significa dizer que, para os filósofos empiristas, todo conhecimento está baseado na experiência sensorial; o qual depende, portanto, em última instância, de um ou mais dos cinco sentidos humanos.
De forma notadamente distinta do racionalismo cartesiano (que afirma ser a razão ou a racionalidade humana o elemento-chave para o processo de construção de conhecimentos e o pensar-fazer dos sujeitos sociais), a filosofia empirista de Locke defende a concepção de que, ao nascermos, a mente humana é semelhante a uma folha de papel em branco, isto é, uma “tábula rasa”, estando vazia ou desprovida de quaisquer caracteres psíquicos (ideias, informações, noções, definições, conceitos, conhecimentos, saberes e/ou reminiscências).
A partir de então, os cinco órgãos periféricos humanos (também denominados órgãos dos sentidos humanos) entram em contato com os objetos do mundo exterior (realidade objetiva existencial concreta) e enviam à mente humana várias e diferentes percepções das coisas da realidade objetiva existencial concreta, de acordo com as distintas maneiras que os objetos do mundo exterior os atingem. Com base nesta assertiva é que os seres humanos, salvo raras exceções, são capazes de apresentar, por exemplo, ideias de branco, amarelo, quente, frio, doce, amargo, azedo etc.; enfim, de todas as qualidades sensíveis ou sensoriais (sensações) dos objetos do mundo exterior, tendo a experiência como mola propulsora fundamental nesse processo.
Sabini (1990, p.13) chama a atenção para o fato de que “[...] esta forma de aquisição de conhecimentos foi denominada por Locke de sensação – processo através do qual os estímulos advindos do meio ambiente externo são detectados pelos órgãos periféricos”, uma vez que depende, primordialmente, dos órgãos dos sentidos humanos. Ainda segundo a autora supracitada, Locke admitira também a existência de outra fonte de ideias: a reflexão – palavra oriunda do verbo latino reflectere que significa “voltar atrás, re-pensar, pensamento em segundo grau, ato de retomar, reconsiderar os dados disponíveis, revisar, vasculhar numa busca constante de significado, examinar detidamente, prestar atenção, analisar com cuidado, filosofar” (SAVIANI, 1980, p.23), a qual constitui as operações mentais a partir das ideias obtidas pelas sensações humanas.
Assim sendo, por intermédio do raciocínio lógico, é possível chegar às ideias que não são meras cópias da realidade objetiva existencial concreta (mundo exterior). Com efeito, todos os seres humanos questionam, duvidam, almejam, acreditam, compreendem etc., ou seja, realizam direta ou indiretamente operações mentais oriundas do processo de reflexão humana. Apesar de a reflexão não ser um órgão periférico humano, pois nada tem a ver com os objetos do mundo exterior presentes na realidade objetiva existencial concreta, ela é, no entendimento de Locke, muito semelhante aos sentidos humanos; de modo que poderia ser denominada também de “sentido interior”.
De forma sumária, é possível assegurar, então, que o vasto conjunto de ideias que existe na mente humana provém das experiências sensoriais humanas, as quais, por sua vez, suprem em certa medida nossos conhecimentos por meio de duas operações mentais distintas, quais sejam: a sensação e a reflexão. A sensação leva para a mente humana as várias e diferentes percepções das coisas existentes na realidade objetiva existencial concreta (mundo físico exterior), sendo, por isso, bastante dependente dos órgãos dos sentidos humanos. Em contrapartida, a reflexão consiste nas operações internas da própria mente humana que, nesse caso, desenvolve as ideias primeiras fornecidas pelos órgãos periféricos humanos.
Sobre tais questões, assim conclui Locke (1978, p.160), em sua célebre obra científica intitulada Ensaio acerca do entendimento humano:
[...] Afirmo que estes dois caracteres, a saber, as coisas materiais externas, como objeto da sensação, e as operações de nossas próprias mentes, como objeto da reflexão, são, a meu ver, os únicos dados originais dos quais as ideias derivam.
Face ao exposto, torna-se profícuo salientar ainda que a abordagem psicoantropológico-filosófica apregoada por John Locke com sua teoria do conhecimento (empirismo) foi dominante na Grã-Bretanha e, em menor escala, na França, até a metade do século XIX, influenciando de modo significativo a Filosofia, a Psicologia e a Antropologia Social-Cultural, embora na segunda metade desse período histórico e no limiar do século XX (Idade Contemporânea), tais áreas do conhecimento tenham sido sensivelmente impactadas pelas escolas psicoantropológico-filosóficas de viés romântico-idealista veiculadas ao filósofo francês Jean Jacques Rousseau (1712-1778), ao filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), ao filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) e a tantos outros renomados filósofos pós-modernos/contemporâneos; conforme revelam pesquisas científicas desenvolvidas por Chauí (2005) e Cotrim (2006).
Sem a pretensão de esgotar o assunto em pauta, queremos expressar aqui, em última instância, nosso firme propósito no sentido de que este ensaio científico possa, efetivamente, contribuir para a ampliação do arcabouço teórico existente na área específica de Psicoantropologia Filosófica e, em decorrência, servir de valiosa fonte de leituras, re-leituras, estudos individuais e pesquisas acadêmico-científicas a serem realizadas por parte de filósofos, antropólogos, sociólogos, historiadores, psicólogos, pedagogos, psicopedagogos, epistemólogos, cientistas políticos, educadores, estudantes e professores universitários em geral oriundos de diferentes cursos de bacharelado e/ou de licenciatura nas áreas de Ciências Humanas, Ciências da Educação e Ciências Sociais Aplicadas.
É o que sinceramente almejamos, uma vez que a Psicoantropologia Filosófica constitui-se num campo bastante vasto, fascinante e instigante; em que ainda há muito para descobrir, pesquisar cientificamente, estudar, construir, co-construir, desconstruir, reconstruir, aprender e re-aprender num processo continuum e dinâmico, tal qual como o são a vida humana e a Ciência em geral, tendo em vista a melhoria da qualidade de vida de todas as pessoas – sujeitos histórico-políticos e socioculturais, por excelência.
Referências
BOCK, A. M. B.; FURTADO, O; TEIXEIRA, M. L. T. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. 13.ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
CÉSAR, L. Antropologia filosófica: a concepção do homem na história do Ocidente. Alagoas, 2015. 04 f. mimeo.
Disponível em: <http://professorleandrocesar.blogspot.com.br/2015/03/antropologia-filosofica-concepcao-do.html>. Acesso em: 09/03/2015.
CHAUÍ, M. Convite à filosofia. 13.ed. São Paulo: Ática, 2005.
COTRIM, G. Fundamentos da filosofia: história e grandes temas. 16.ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
GUERREIRO, S. Antropos e psique: o outro e sua subjetividade. 5.ed. São Paulo: Editora Olho D’ Água, 2001.
LARAIA, R. B. Cultura: um conceito antropológico. 17.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2004. (Coleção Antropologia Social).
LOCKE, J. Ensaio acerca do entendimento humano. 2.ed. São Paulo: Editora Abril Cultural, 1978. (Coleção Os Pensadores).
PEREIRA, O. O que é teoria. 7.ed. São Paulo: Brasiliense, 1990. (Coleção Primeiros Passos – v.59).
SABINI, M. A. C. Fundamentos de psicologia educacional. São Paulo: Ática, 1990.
SAVIANI, D. Educação: do senso comum à consciência filosófica. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1980. (Coleção Educação Contemporânea).
(*) Marcos Pereira dos Santos – Autor do livro O real e o ideal na escola do século XXI: temas básicos de educação escolar – um enfoque multirreferencial (Editora Longarina/Portal ProfessorNews, 2015). Doutor em Teologia, ênfase em Educação Religiosa, pela Faculdade de Educação Teológica Fama (FATEFAMA) – Macapá/AP. Licenciando em Filosofia pela Faculdade Entre Rios do Piauí (FAERPI) – Teresina/PI, em parceria com o Grupo Gênio Apoio Educacional – Ponta Grossa/PR. Professor assistente da Faculdade Sagrada Família (FASF), junto a cursos de graduação (bacharelado/licenciatura) e pós-graduação lato sensu, em Ponta Grossa/PR. Endereço eletrônico: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
(**) Trabalho apresentado ao Curso de Licenciatura em Filosofia da Faculdade Entre Rios do Piauí (FAERPI) - Teresina/PI, em parceria com o Grupo Gênio Apoio Educacional – “Projeto Especial 2ª Licenciatura”, como requisito avaliativo parcial para aprovação direta na disciplina curricular intitulada “Antropologia Cultural e Filosofia”. Vale enfatizar, nesse contexto, que a proposta avaliativa primaz exposta pelo professor Milek consistira na produção individual de um pequeno texto dissertativo analítico-crítico-reflexivo versando sobre os principais pontos-chave, anteriormente comentados em sala de aula, alusivos à teoria do conhecimento em John Locke na perspectiva da Antropologia Filosófica Moderna. Entretanto, ao concebermos que tal temática merece uma discussão teórica minuciosa e mais aprofundada, optamos então por elaborar um ensaio científico; o qual ora torna-se de acesso e domínio público.