Marcos Pereira dos Santos (*)
Em sentido pedagógico, pode-se dizer que a figura do professor como principal agente responsável pela instrução, pelo ensino, pela educação escolar e pela condução do processo educativo está presente na história da humanidade desde a Grécia antiga, com o aparecimento do escravo pedagogo que tinha, inicialmente, segundo Ghiraldelli Júnior (1991, p.8), a função precípua de “conduzir as crianças aos locais de estudo, onde deveriam receber instruções de seus preceptores”. Cabia a ele a tarefa de levar as crianças até os locais do conhecimento, às fontes do saber. O escravo pedagogo, até então, exercia apenas a atividade de condutor de crianças, e não de instrutor propriamente dito. Essa segunda etapa ficava por conta do preceptor.
Algumas décadas mais tarde, quando da dominação romana sobre a Grécia, as coisas se modificaram: os escravos passaram a ser detentores de uma cultura erudita semelhante ou superior à de seus dominadores. Sendo assim, além de continuar exercendo seu ofício de condutor de crianças, o escravo pedagogo assumiu também o papel de preceptor.
Nesse contexto, é possível assegurar que ser professor se configura como uma atividade laboral deveras complexa e desafiante, haja vista que esse profissional da educação tem muitas incumbências a realizar, as quais, dependendo da concepção que se tenha acerca de mundo, homem, sociedade, cultura, educação, conhecimento, escola, ensino, docência, aprendizagem, aluno, metodologia, currículo, avaliação (MIZUKAMI, 1986), entre tantos outros elementos constitutivos do processo educativo, podem influenciar de forma positiva ou negativa tanto o desenvolvimento de sua prática pedagógica quanto a vida pessoal, escolar e profissional de seus educandos; seja a curto, médio ou longo prazo.
Dizemos isso, porque o professor é detentor de um ‘poder ideológico’, que, aliado às suas ações desenvolvidas em sala de aula, pode direta ou indiretamente interferir nos modos de pensar e agir dos alunos que estão sob sua responsabilidade, deixando assim explícita, em certa medida, a concepção filosófico-política do professor em relação à educação como reprodutora, redentora ou transformadora da sociedade; uma vez que:
A tendência redentora de educação propõe uma ação pedagógica otimista, do ponto de vista político, acreditando que a educação tem poderes quase que absolutos sobre a sociedade. A tendência reprodutivista é crítica em relação à compreensão da educação na sociedade, porém pessimista, não vendo qualquer saída para ela, a não ser submeter-se aos seus condicionantes. Por último, a tendência transformadora, que é crítica, recusa-se tanto ao otimismo ilusório quanto ao pessimismo imobilizador. Por isso, propõe-se compreender a educação dentro de seus condicionantes e agir estrategicamente para a sua transformação, bem como desvendar e utilizar-se das próprias contradições da sociedade para trabalhar realística e criticamente pela sua transformação. (LUCKESI, 1991, p.51; grifos do autor)
Fazendo nossas as palavras de Saviani (1980) ao afirmar que a educação é sempre um ato político (em sentido não partidário), a qual deve ter uma orientação filosófica, somos levados a dizer que é de fundamental importância o professor ter sua prática pedagógica alicerçada em uma concepção filosófico-política de educação, seja ela reprodutivista, redentorista ou transformadora.
Entretanto, quando se opta pela adoção de uma concepção reprodutivista ou redentorista de educação, o exercício da atividade docente adquire a conotação de “profissão de risco”, dado o fato de que: no primeiro caso, a educação é entendida como uma instância dentro da sociedade de classes que deve reproduzir de forma passiva os condicionantes sociais, políticos, econômicos e culturais a ela atrelados (visão acrítica e pessimista imobilizadora).
A tendência reprodutora de educação não se traduz, em si, numa pedagogia (modo de agir para a educação), visto que ela apenas demonstra como atua a educação dentro da sociedade, e não como ela deveria atuar. Já no segundo caso, a educação é concebida como sendo a panaceia (remédio para todos os males) da sociedade, a qual deve ser mantida em perfeita ordem, harmonia e equilíbrio; conforme os ditames pré-estabelecidos pelas elites dirigentes do poder. Acredita-se que somente pela educação é possível, pois, “curar” a sociedade de suas “enfermidades” (visão ingênua, não crítica e otimista utópico-ilusória).
Assim sendo, convém destacar o quão importante é o papel do professor na sociedade, haja vista que compete a este profissional da educação várias atribuições, a saber:
a) lutar militantemente em prol da construção de uma sociedade cada vez mais justa, ética, moral, fraterna, igualitária e democrática;
b) zelar pela qualidade da educação escolar;
c) estimular os educandos para o desenvolvimento das múltiplas inteligências: intrapessoal, interpessoal, linguística, lógico-matemática, corporal-cinestésica, musical, visuoespacial, naturalista, pictórica, existencial-espiritual e emocional (ANTUNES, 2006; MARQUES JÚNIOR, 2003);
d) repassar aos alunos diferentes conhecimentos científicos que sejam realmente úteis e válidos para a sua vida dentro e fora da escola;
e) respeitar as diferenças individuais (potencialidades e limitações) de cada educando que está sob sua responsabilidade em sala de aula (modos de ser, sentir, pensar, fazer/agir, estudar, aprender e apreender);
f) construir, gradativamente, os saberes da docência: experiências profissionais, conhecimentos teórico-científicos e saberes pedagógicos – didática, relação professor-aluno e técnicas de ensino (PIMENTA, 2002; TARDIF, 2006);
g) ter domínio de conteúdo referente à disciplina curricular a qual leciona;
h) apresentar manejo de classe;
i) ser assíduo, pontual e comprometido com a educação, a formação integral dos alunos e a filosofia/missão da escola em que atua;
j) agir com justiça, seriedade, honestidade e ponderação em todas as situações alusivas ao processo ensino-aprendizagem;
k) exercer seu trabalho docente com dignidade e responsabilidade;
l) estudar continuamente e com afinco;
m) realizar pesquisas científicas, inclusive a partir de sua prática pedagógica – pesquisa-ação (MION e SAITO, 2001), a fim de tornar-se, de acordo com Andrade (2003), Lisita, Rosa e Lipovetsky (2010) e Lüdke (2004), um professor-pesquisador;
n) desenvolver de forma eficaz e eficiente suas atividades docentes, levando-se em consideração as orientações filosóficas, didático-pedagógicas e metodológicas contidas no projeto político-pedagógico da escola em que trabalha, o qual abarca relevantes questões concernentes à cultura geral, à cultura na escola, à cultura escolar e à cultura da escola (FORQUIN, 1993; MAFRA, 2003);
o) participar de programas de formação continuada ofertados pela escola onde leciona e/ou pelas Secretarias Municipais e Estaduais de Educação (profissionalização docente), objetivando assim melhorar cada vez mais sua prática pedagógica em sala de aula;
p) despertar nos alunos o gosto pelos estudos, a imaginação, a curiosidade, a criatividade, o senso crítico e a análise reflexiva;
q) servir, segundo Pino (1991), de ‘instrumento’ de mediação entre o conhecimento de senso comum apresentado pelos alunos e o conhecimento científico repassado pela escola;
r) saber trabalhar com a diversidade cultural dos alunos em sala de aula (BRASIL, 1997), sem efetuar qualquer tipo de preconceito ou discriminação em relação a cor, raça/etnia, gênero, sexo, classe social, preferências, gostos, concepções, escolhas, tradições, hábitos, costumes, crença religiosa, entre outras características individuais ou sociais;
s) utilizar adequadamente em sua prática pedagógica diferentes métodos e técnicas de ensino, tendo em vista a ocorrência de aprendizagem (significativa) por parte dos educandos (MOREIRA e MASINI, 1982);
t) possuir ética profissional e algumas virtudes fundamentais para o exercício da atividade docente, conforme revelam estudos realizados por Veiga e Araújo (2000, p.108): “abnegação, altruísmo, benevolência, compreensão, paciência, magnanimidade, disciplina, tolerância, probidade, perseverança, entre tantas outras”.
Face ao exposto, pode-se dizer que muitos professores se configuram como sendo verdadeiros “guerreiros da educação”, “soldados da escola”, uma vez que, além das inúmeras atribuições que são inerentes ao exercício de sua atividade profissional, os mesmos continuam acreditando, assim como nós, no poder transformador da Educação e, principalmente, na eficácia de seu trabalho pedagógico na escola e em sala de aula; tendo em vista a formação de alunos mais autônomos, críticos, reflexivos, conscientes de seus direitos e deveres, responsáveis e engajados na (re)construção de um mundo e de uma sociedade melhor para todos.
Embora muitas escolas, no Brasil dos dias atuais, tenham se transformado em uma espécie de “arena de guerra”, “campo de batalha”, onde as constantes depredações e as cenas de violência (simbólica e não simbólica) têm sido parte integrante de sua constituição, faz-se necessário que os educadores em geral tenham coragem e ousadia suficientes para lutar de forma militante em prol da melhoria da qualidade da educação, da valorização do magistério e dos profissionais da educação (principalmente em termos de piso salarial), da inclusão escolar não excludente e da implantação/implementação de políticas públicas educacionais que venham a contribuir para o desenvolvimento do processo educativo em todos os níveis e modalidades de ensino, isto é, desde a Educação Infantil até os cursos de pós-graduação stricto sensu.
Sem a pretensão de esgotar o assunto em pauta, cabe-nos enfatizar ainda que ser professor é diferente de estar professor. Ser professor é ter formação acadêmica específica para lecionar, obtida em curso de licenciatura oficialmente autorizado e reconhecido pelo Ministério da Educação (MEC). Ser professor é ser amigo, companheiro, parceiro, mestre, discípulo, instrutor, mediador, “facilitador” da aprendizagem, profeta, “sacerdote da cultura” – numa clara referência às origens da escolarização desenvolvida sob os auspícios do Cristianismo no decorrer dos primeiros séculos da Modernidade (VEIGA e ARAÚJO, 2000), preceptor, condutor, coordenador, orientador, gestor, empreendedor, líder ético, entre tantas outras adjetivações que poderiam ser aqui elencadas; tendo a clareza de que, constantemente, é desafiado a perceber sua dimensão dodiscente, pois ao formar, também se forma (PIENTA et al, 2005). Em suma, o professor é, por excelência, o profissional da educação que ensina-e-aprende, isto é, que ensina aprendendo e aprende ensinando; dado o fato de que, de acordo com Freire (1997, p.21;50),
[...] ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou sua construção. [...] O homem, como um ser histórico, inserido num permanente movimento de procura, faz e refaz constantemente o seu saber. [...] É considerado um ser crítico, criativo, sério e principalmente inacabado, ou seja, em permanente construção do saber. [...] Na verdade, o inacabamento do ser ou sua inconclusão é próprio da experiência vital. Onde há vida, há inacabamento.
Que todos os professores do Brasil e do mundo possam refletir de forma crítica sobre a importância de sua profissão no contexto da sociedade; atividade essa que é árdua e ao mesmo gratificante, haja vista que está a cargo dos professores, e somente deles, a formação humana, técnica, política e pedagógica de todos os profissionais que atuam nas diferentes áreas do conhecimento. Trata-se, grosso modo, de uma profissão caleidoscópio.
Posto isso, cabe aos docentes a complexa tarefa de retraçar a história do processo de construção dos conhecimentos científicos, das culturas e das tecnologias; bem como compreender o passado histórico para bem viver/fazer o momento presente e projetar o futuro das gerações vindouras, cuja concretização requer participação ativa em um projeto mais amplo de sociedade que busque superar as várias formas de exploração, alienação e dominação vigentes.
É urgente e necessário sair da “zona de conforto” na qual podemos estar imersos, pois quando não pensamos, somos pensados e dirigidos por outros. É hora de “colocar a mão na massa” e agir. Vamos à luta!
Referências
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(*) Marcos Pereira dos Santos é doutorando em Educação Religiosa, linha de pesquisa “Cultura Geral”, pela Faculdade de Educação Teológica Fama (FATEFAMA). Mestre em Educação; especialista em Administração, Supervisão e Orientação Educacional; especialista em Educação Matemática e licenciado em Matemática pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Licenciado em Pedagogia pelo Centro Universitário Campos de Andrade (UNIANDRADE). Membro correspondente da Academia de Letras de Teófilo Otoni/MG. Escritor, poeta, cronista, articulista e pesquisador da área educacional (Formação de Professores, Tecnologias Educacionais e Educação Matemática). Professor adjunto da Faculdade Sagrada Família (FASF), junto a cursos de graduação (bacharelado/licenciatura) e pós-graduação lato sensu, em Ponta Grossa – Paraná. Endereço eletrônico: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.