Práticas pedagógicas nos cursos de licenciatura em pedagogia no Brasil contemporâneo: o caso dos estágios curriculares supervisionados em gestão educacional

Marcos Pereira dos Santos (*)

128px-Nuvola apps edu miscellaneous.svgNão é nenhuma novidade dizer que para um pesquisador obter dados e conhecimentos detalhados acerca de um determinado fenômeno social, ou mesmo sobre a (in)viabilidade de uma certa abordagem teórica, faz-se necessária a elaboração de um planejamento de pesquisa que atenda a determinados critérios norteadores básicos, para que seja possível realizar um trabalho produtivo, eficaz e eficiente.

Face ao exposto, corroboramos com Bellardo (2009, p.114) ao afirmar que as práticas pedagógicas atualmente desenvolvidas nos cursos de Licenciatura em Pedagogia, no Brasil, especificamente no que diz respeito à disciplina de Estágio Curricular Supervisionado em Gestão Educacional”, têm como principal objetivodesvelar e analisar de forma crítico-reflexiva o trabalho pedagógico desenvolvido pelos gestores educacionais nas escolas de Educação Básica; o que fornece importantes indicativos acerca das proximidades e distanciamentos existentes entre teoria e prática, reflexões e ações, saberes e fazeres docentes”.  

Para que se possa melhor compreender essas questões, faz-se necessário, inicialmente, considerar que toda e qualquer instituição escolar constitui-se num amplo e complexo campo estrutural onde se desenvolvem diferentes atividades didático-pedagógicas e metodológicas visando o alcance da qualidade do processo educativo, notadamente no que diz respeito ao ensino e à aprendizagem em sentido amplo. Daí a necessidade de se efetuar uma pesquisa diagnóstica, de viés empírico, que busque retratar a organização estrutural e o trabalho pedagógico realizado pelos gestores escolares nas escolas de Educação Básica.

Através do desenvolvimento de uma pesquisa diagnóstica em campo de estágio, os acadêmicos oriundos dos cursos de Licenciatura em Pedagogia, na disciplina de “Estágio Curricular Supervisionado em Gestão Educacional” têm a possibilidade de fazer um amplo mapeamento das escolas investigadas, desde a sua estrutura física, passando pelas ações desenvolvidas pelas equipes técnico-administrativas, até o trabalho pedagógico executado pelos gestores educacionais com relação às orientações e assessoramento para a construção coletiva do projeto político-pedagógico escolar, ao encaminhamento das práticas pedagógicas docentes em suas múltiplas formas de organização etc.

No intuito de buscar desenvolver da melhor forma possível o estágio curricular supervisionado em gestão educacional, consideramos ser necessário percorrer um caminho metodológico de pesquisa condizente com a abordagem qualitativa de investigação sem, contudo, desconsiderar os aspectos quantitativos subjacentes (SANTOS FILHO, 2000). Sendo assim, os estudantes de Pedagogia, ao desenvolver uma pesquisa diagnóstica em campo de estágio podem, de acordo com Lüdke e André (1986), fazer uso de diferentes instrumentos de coleta de dados, tais como: observações participativas, entrevistas informais, aplicações de questionários semi-estruturados, análise de documentos legais, entre outras fontes de informação.

É nesse sentido, pois, que disciplinas como “Metodologia da Pesquisa Científica”, “Didática”, “Organização do Trabalho Pedagógico”, “Planejamento Escolar”, “Gestão Educacional”, entre outras, componentes das grades curriculares dos cursos de Licenciatura em Pedagogia, fornecem valioso subsídio teórico-metodológico para a realização de diferentes atividades pedagógicas alusivas à disciplina de “Estágio Curricular Supervisionado em Gestão Educacional”; a qual se legitima, inclusive, pela assinatura de um “Acordo de Cooperação e Termo de Compromisso de Estágio Curricular Supervisionado Obrigatório” por parte da universidade (unidade cedente) e das escolas pesquisadas (unidades concedentes), bem como pelo preenchimento de uma “Ficha Individual de Atividades Desenvolvidas em Campo de Estágio” e de uma “Ficha de Atividades de Planejamento” por parte dos acadêmicos-estagiários, dos respectivos professores-regentes de classe das escolas investigadas e do professor responsável pela disciplina de estágio, as quais servem de documentos comprobatórios de reconhecido valor legal. (BÍSCOLI, 2007)

Em linhas gerais, tais procedimentos burocráticos se fazem extremamente necessários porque a disciplina de “Estágio Curricular Supervisionado em Gestão Educacional” possui uma política de compromisso com o ensino, a pesquisa científica e a extensão universitária; onde o princípio norteador é a socialização/democratização dos conhecimentos científicos e a consequente disseminação dos resultados teórico-práticos obtidos em campo de estágio.

As atividades didático-pedagógicas expressas na matriz curricular e no projeto político-pedagógico dos cursos de Licenciatura em Pedagogia devem ser entendidas, nesse contexto, como relevantes ao processo de formação inicial do futuro professor-pedagogo, uma vez que este profissional da educação precisa possuir determinadas habilidades e competências para a sua atuação docente, de forma que a mesma possa ser avaliada interna e externamente num processo contínuo e transformador.

Além disso, faz-se necessário salientar ainda que as novas diretrizes curriculares para a formação dos profissionais da educação priorizam a articulação dialética entre teoria e prática (práxis), reflexão e ação, saberes e fazeres docentes (BRASIL, 1999). Nesse entendimento, é preciso prever situações didáticas em que os acadêmicos-estagiários coloquem em uso os conhecimentos científicos recebidos na universidade, em diferentes tempos e espaços escolares. Portanto, todas as disciplinas que fazem parte dos currículos dos cursos de Licenciatura em Pedagogia, no Brasil, têm sua dimensão prática, transcendendo-se numa dimensão contextualizada.  

Isso implica assegurar, em outras palavras, que as práticas pedagógicas desenvolvidas nos cursos de formação inicial de professores-pedagogos envolvem conhecimentos de várias disciplinas curriculares, tanto de cunho geral quanto de âmbito específico, numa perspectiva inter, multi e transdisciplinar, com ênfase na observação participativa e na análise crítico-reflexiva, para que se possa atuar em diferentes contextos educacionais. Logo, conhecer a estrutura e o funcionamento da educação brasileira em sentido amplo é condição indispensável para o futuro professor-pedagogo, uma vez que a Educação como um todo faz parte de um contexto social, político, econômico e cultural que a determinam.

Nessa perspectiva, a disciplina de “Estágio Curricular Supervisionado em Gestão Educacional” torna-se componente obrigatório para a formação inicial de professores-pedagogos, visto que é o eixo articulador entre teoria e prática (PIMENTA, 2002). É, enfim, a oportunidade de os acadêmicos entrarem em contato direto com a realidade escolar e profissional, em todos os seus avanços, ranços e desafios.

Destinada, em geral, aos estudantes das séries finais dos cursos de Licenciatura em Pedagogia, a supracitada disciplina possui uma carga horária total de, aproximadamente, trezentas horas-aula, as quais estão distribuídas em atividades de observação participativa e desenvolvimento de práticas de intervenção educativa junto às equipes de coordenação pedagógica dos estabelecimentos, públicos e privados, de ensino regular da rede municipal, estadual e/ou federal de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. Enfatiza-se, dessa forma, a problematização de questões pertinentes a esses níveis de ensino, resultando em produção acadêmica escrita (relatório final de estágio), o que caracteriza a articulação do binômio ensino-pesquisa e teoria-prática; conforme nos apontam Barreiro e Gebran (2006), Pimenta (2002) e Rocha (2004).

Sem a pretensão de esgotar o assunto em pauta, vale ressaltar também que a realização de estágios curriculares supervisionados em gestão educacional por parte dos estudantes de Pedagogia justifica-se tendo como referência a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) – Lei Federal nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, a qual estabelece em seu artigo 65 que “a formação docente, exceto para a educação superior, incluirá prática de ensino de, no mínimo, trezentas horas” (BRASIL, 1996). Decorrentes dessa legislação educacional, surgiram várias portarias, resoluções e pareceres do Conselho Nacional de Educação (CNE), que trazem a lume algumas orientações curriculares acerca da formação de professores e pedagogos para a Educação Básica no Brasil (CAMPOS, 2007), contribuindo assim para a organização estrutural, pedagógica e didático-metodológica dos cursos de licenciatura em geral e o tratamento a ser dado aos estágios curriculares supervisionados nesses cursos.

Ademais, torna-se interessante enfatizar que a importância da realização de estágios curriculares supervisionados em gestão educacional por parte dos acadêmicos dos cursos de Licenciatura em Pedagogia também encontra respaldo teórico-metodológico nas concepções de Picawy e Wandscheer (2004, p.248), uma vez que essas autoras definem o professor-pedagogo dos dias atuais da seguinte forma:

profissional habilitado a atuar no ensino, na organização e gestão de sistemas, unidades e projetos educacionais e na produção e difusão do conhecimento científico, em diversas áreas da educação; tendo a docência como base obrigatória de sua formação e identidade profissional.

É nesse sentido, portanto, que os cursos de Licenciatura em Pedagogia, ao legitimarem a importância da realização de estágios curriculares supervisionados em gestão educacional como exigência legal e modalidade educativa destinada à iniciação profissional docente, necessitam firmar convênios com as unidades escolares de ensino da federação brasileira através da proposição de atividades de observações participativas, docências, desenvolvimento de projetos educacionais, entre outras práticas de intervenção pedagógica que favoreçam:

  [...] o conhecer diretamente e/ou por meio de estudos as realidades escolares e os sistemas onde o ensino ocorre; ir às escolas e realizar observações, entrevistas e coletar dados sobre determinados temas abordados nos cursos de formação inicial de professores; problematizar, propor e desenvolver projetos educativos nas escolas; conferir os dizeres dos autores e da mídia, as representações e os saberes que têm sobre a escola, o ensino, os alunos e os professores, nas escolas reais; bem como começar a ver e analisar as escolas existentes com olhos não mais de alunos, mas de futuros professores. (WITTMANN, 2004, p.19)

Diante dessas argumentações, pode-se observar que as práticas de estágio curricular supervisionado em gestão educacional perpassam a (re)construção e ressignificação de diferentes saberes e fazeres docentes (AZZI, 2002; CAMPOS, 2007; TARDIF, 2006), as quais têm como principal finalidade contribuir para a inserção dos estudantes de Pedagogia no campo de atuação profissional; de modo que os mesmos possam vivenciar contextos educacionais diferentes, elaborar projetos educativos, propor formas alternativas de organização do trabalho pedagógico escolar e construir uma identidade própria onde sejam capazes de caminhar em parceria com a escola atendendo a objetivos educacionais comuns. Daí o estágio curricular supervisionado configurar-se, de acordo com Kulcsar (2005) e Pimenta e Lima (2008), como instância educativa de dimensão teórico-prática, fio condutor do processo de ação-reflexão na práxis docente, campo de conhecimento e pesquisa científica, espaço de ressignificação de saberes pedagógicos e atividade integradora na formação inicial e continuada de educadores. 

Na escola, o trabalho pedagógico dos gestores educacionais se configura como algo composto de complexidades e peculiaridades próprias. Entretanto, tornar o período de estágio acadêmico um momento rico em aprendizagens diferenciadas e significativas, úteis para o crescimento pessoal, o desenvolvimento de habilidades e competências pedagógicas, e a expansão da visão de homem, mundo, sociedade, cultura, conhecimento, educação, escola, ensino, aprendizagem, professor, aluno, metodologia, avaliação etc. por parte dos futuros professores-pedagogos, consiste em um desafio enfrentado constantemente pelos docentes responsáveis pela disciplina de “Estágio Curricular Supervisionado em Gestão Educacional”; haja vista que “espaços escolares vazios de conteúdo e significado são insossos, contribuindo muito pouco para a formação dos aprendizes e do próprio professor”. (ALMEIDA, 2003, p.45)

Sendo assim, concordamos com Cury (2005), Ferreira (2001), Hora (2004) e Spósito (2002) acerca da necessidade de se elaborar um plano de ação para o exercício de uma gestão democrática que vislumbre, num futuro bastante próximo, o aprimoramento e a integração dos diferentes setores das unidades de ensino e, em especial, a participação conjunta de todos os agentes escolares (diretores, gestores educacionais, coordenadores pedagógicos, supervisores e orientadores educacionais, pedagogos, professores e alunos) e da comunidade externa nas decisões a serem tomadas para a melhoria da qualidade da Educação e o alcance de êxitos no processo ensino-aprendizagem.

Posto isso, almejamos que os estágios curriculares supervisionados em gestão educacional sejam vistos pelos estudantes de Pedagogia não apenas como uma obrigatoriedade acadêmica regular a ser cumprida para a conclusão de seu curso de graduação, mas também como uma atividade didático-pedagógica deveras instigante e fascinante, ou seja, um verdadeiro “laboratório” de saberes-fazeres pedagógicos.

 

Referências

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BÍSCOLI, F. R. V. A importância da normatização do estágio supervisionado acadêmico. In: PORTELA, K. C. A.; SCHUMACHER, A. J. (Orgs.). Estágio supervisionado: teoria e prática. Santa Cruz do Rio Pardo: Editora Viena, p.19-31, 2007. (Coleção Secretarial).

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FERREIRA, N. S. C. A gestão da educação e as políticas de formação de profissionais da educação: desafios e compromissos. In: ----------. (Org.). Gestão democrática da educação: atuais tendências, novos desafios. 3.ed. São Paulo: Cortez, p.97-115, 2001.

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WITTMANN, L. C. Práticas em gestão escolar. Curitiba: Editora do IBPEX, 2004. (Coleção Pós-Graduação Lato Sensu em Metodologias Inovadoras Aplicadas à Educação: Gestão do Trabalho Pedagógico – modalidade a distância). 

 

prof-marcos-pereira web(*) Marcos Pereira dos Santos é doutorando em Educação pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Escritor, poeta e cronista. Professor adjunto e coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas Científicas em “Formação profissional docente: itinerários históricos, práticas pedagógicas e representações sociais” da Faculdade Sagrada Família (FASF), em Ponta Grossa/PR. Endereço eletrônico: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

 

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