Teoria das representações sociais: uma abordagem psicossocial

A sociedade se constrói dia a dia, inclusive por meio das novas representações que constitui

Marcos Pereira dos Santos (*)

prof-marcos-pereira webEm linhas gerais, a palavra “representação” pode ser associada aos termos ideia, conceito, concepção, entendimento, opinião, imagem ou juízo de valor. Trata-se de uma “tradução conceitual, visual, auditiva ou artifatual acerca de um objeto material ou ideal” (BUNGE, 2002, p.343). É a operação pela qual a mente humana tem presente, em si mesma, uma imagem mental, uma ideia ou um conceito correspondendo a um objeto externo.

 

Até por volta do século XVIII, o vocábulo “representação” era utilizado no sentido de ‘tomar o lugar de alguém’, uma vez que, até então, os monarcas eram considerados ‘representantes’ das divindades na Terra. Com o passar dos tempos históricos, esse termo também passou a ser aplicado ao campo das Artes Cênicas, visando assim fazer alusão à ‘representação de um determinado papel’ por parte de atores e atrizes em geral. Em regimes democráticos de governo, a palavra “representação” pode ainda ser usada para fazer referência a presidentes, senadores, deputados, governadores, prefeitos e vereadores eleitos através de voto popular; tendo em vista que se configuram como legítimos ‘representantes’ do povo.

 

Ao longo dos tempos, a noção de “representação” tem sido alvo de estudos e pesquisas científicas desenvolvidas por parte de muitos filósofos, historiadores, sociólogos, educadores matemáticos, psicólogos cognitivos, lógicos computacionais e psicólogos sociais. A Teoria das Representações Sociais (doravante TRS) foi inicialmente estudada pelo sociólogo francês Émile Durkheim (1858-1917), ao mostrar-se preocupado em analisar e compreender os problemas da sociedade capitalista de sua época. Para ele, as representações individuais (conceitos, concepções e juízos de valor) dos sujeitos sociais se constituem em algo novo, não sendo apenas soma de imagens e ideias retidas pela memória humana; pois ao experimentarmos uma sensação, por exemplo, esta não cai num vazio, esgotando-se em si mesma, mas relaciona-se imediatamente com outras representações, desencadeando um processo mais amplo pelo qual os indivíduos serão capazes de interpretar as mensagens recebidas, mobilizando dessa forma corpo e espírito a fim de construírem novas representações.

 

Segundo Durkheim (1970), a individualidade humana se constitui a partir da sociedade e a vida psíquica é um curso contínuo de representações, de forma que nunca se pode dizer onde uma começa e outra acaba. Assim sendo, as representações estão diretamente relacionadas à objetivação da realidade existencial concreta e à questão da legitimação e dos papéis sociais.

 

Todavia, foi com o psicólogo social Serge Moscovici, nos anos 60-70, que os estudos realizados por Durkheim ganham uma nova configuração científica. Moscovici busca superar o determinismo e a estaticidade do conceito de representação individual apresentado por Durkheim, estabelecendo assim o uso da expressão “representação coletiva” ou “representação social”, a qual é definida, grosso modo, como o senso comum que se tem sobre um determinado tema ou assunto, onde se incluem também os preconceitos, as ideologias e as características específicas das atividades cotidianas (sociais e profissionais) das pessoas.

 

“As representações sociais são um conjunto de conceitos, frases e explicações originárias na vida diária durante o curso das comunicações interpessoais” (MOSCOVICI, 1978, p.181). Engloba uma vasta gama de crenças, ideologias, opiniões e valores que são socialmente construídos em grupos delimitados acerca de um determinado objeto de pesquisa presente na realidade concreta existencial, configurando-se como uma estratégia particular de apropriação dos grupos sociais para orientar e justificar as tomadas de decisões em relação ao objeto de investigação em estudo.

 

Na perspectiva moscoviciana, a chamada “representação coletiva” não é somente a soma das representações individuais dos sujeitos sociais, mas constitui a formação de um novo conhecimento que supera o tradicional e possibilita uma recriação do coletivo. Um exemplo de representação coletiva é a transmissão das heranças culturais dos antepassados, as quais acrescentam às experiências individuais dos seres humanos, no tempo presente, tudo o que a sociedade acumulou de ciência e sabedoria ao longo dos séculos. Entretanto, para que se possa compreender o que é representação social, faz-se necessário não ficar atrelado apenas a esse fator determinista; visto que os sujeitos sociais têm um papel ativo e autônomo no processo de (re)construção da sociedade, embora sejam também (re)criados pela mesma em certa medida.

 

Dizemos isso, porque entendemos que a sociedade se constrói dia a dia, inclusive por meio das novas representações que constitui. A vida coletiva não surge de uma entidade exterior, mas das relações cotidianas que se estabelecem entre os membros de um mesmo grupo social e das contradições e lutas travadas no campo de sua materialidade. Portanto, as representações sociais ajudam a decodificar a vida cotidiana. Elas acessam o “aqui e agora”, o inteligível, o ausente, o novo, o desconhecido. Nesse processo de reapresentação, são acionados conhecimentos de um universo “consensual”, constituído de informações, normas/regras, valores e crenças, entre outros fatores.       

 

De acordo com Jodelet (2001) e outros estudiosos da TRS, as representações emergem onde existe “perigo” para a identidade coletiva, isto é, quando a comunicação humana subestima as regras que um grupo social estabeleceu. Nesses momentos, a mobilização de referenciais da sociedade (elementos que permitem que um grupo social se identifique e se entenda como tal) interfere no estabelecimento de novos referenciais e novas representações, conservando seus elos. É exatamente nesse contexto que as transformações na sociedade precisam ocorrer, enfrentando os sentidos estabelecidos, atualizando-os e reconstruindo-os.

 

Sem a pretensão de esgotar o tema em pauta, torna-se importante salientar ainda que a TRS apresenta dois universos de pensamento notadamente distintos: de um lado, estão os “universos consensuais”, nos quais os sujeitos sociais, com base no senso comum, são livres para manifestar opiniões, propor teorias e fornecer respostas para todos os problemas da sociedade; e de outro, encontram-se os “universos lógicos”, que são espaços regidos pela lógica científica, onde os indivíduos têm a participação condicionada pela sua qualificação, ou seja, pelo domínio reconhecido de um saber específico.

Grosso modo, a TRS cunhada por Moscovici tem seus estudos e pesquisas muito próximos do conhecimento de senso comum, do conhecimento empírico, isto é, daquilo que os sujeitos sociais constroem e elaboram em suas relações cotidianas na sociedade. Desde a década de 1980, aproximadamente, a TRS vem sendo utilizada como um importante referencial teórico-metodológico de pesquisa científica de cunho psicossocial no campo das Ciências Humanas e das Ciências Sociais Aplicadas em geral, e tem gradativamente conquistado espaço e aceitação nos meios acadêmicos brasileiros até os dias de hoje.

 

As representações sociais estão basicamente relacionadas com as pessoas que atuam fora da comunidade científica, embora possam também aí estar presentes. Nas representações sociais, podemos encontrar conceitos científicos da forma que foram aprendidos e internalizados pelas pessoas, os quais podem ser definidos como “termos, entendidos e utilizados universalmente como tais” (REIGOTA, 1997, p.11). Sendo assim, são considerados, por exemplo, conceitos científicos: nicho ecológico, habitat, fotossíntese, ecossistema, entre outras expressões; dado o fato de serem definidos, compreendidos e ensinados do mesmo modo pela comunidade científica internacional, caracterizando o consenso em relação a um determinado conhecimento. Entretanto, a título de exemplificação, a noção de meio ambiente pode ser considerada não um conceito científico, mas uma representação social, tendo em vista seu caráter difuso e variado no que diz respeito a definições; indicando não existir, portanto, um consenso acerca da supracitada expressão por parte da comunidade científica em geral.

 

Diante do exposto, pode-se dizer que uma das indagações centrais da TRS é justamente em relação às modificações sofridas pelo conhecimento científico quando ele passa do âmbito dos universos reificados para o dos universos consensuais. Em outras palavras, o que se coloca em xeque são as transformações que ocorrem com certo conhecimento sistematizado em função da sua passagem do domínio especializado para o popular. Logo, não seria nesse processo que surgem as representações sociais, verdadeiras teorias do senso comum sujeitas a uma conotação científica?

 

É preciso encaminhar as problematizações, pesquisando a partir da dispersão, do começo, do acaso e dos acidentes, “[...] sem ter a pretensão de trabalhar com as verdades em si; mas criticando os regimes de verdade e os tipos de discursos que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros” (FOUCAULT, 1979, p.22). Eis o desafio!  

 

Referências

 

BUNGE, M. Dicionário de filosofia. São Paulo: Perspectiva, 2002.

 

DURKHEIM, É. Sociologia e filosofia. Rio de Janeiro: Forense, 1970.

 

FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.

 

JODELET, D. Representações sociais: um domínio em expansão. In: ---------- (Org.). As representações sociais. Rio de Janeiro: EDUERJ, p.17-44, 2001.

 

MOSCOVICI, S. A representação social da psicanálise. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 1978.

 

REIGOTA, M. Meio ambiente e representação social. 2.ed. São Paulo: Cortez, 1997. (Coleção Questões da Nossa Época – v.41).

 

(*) Marcos Pereira dos Santos é doutorando e mestre em Educação; especialista em Administração, Supervisão e Orientação Educacional; especialista em Matemática e licenciado em Matemática pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Também é licenciado em Pedagogia pela Sociedade Educativa e Cultural Amélia Ltda (SECAL) – Faculdade Santa Amélia. Escritor, poeta e professor adjunto do Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais (CESCAGE), da Faculdade Sagrada Família (FASF) e do Instituto de Ensino Superior Sant’Ana (IESSA), junto a cursos de graduação (bacharelado/licenciatura) e pós-graduação lato sensu, em Ponta Grossa/PR. Endereço eletrônico: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.    

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