Lei Dodd-Frank e a transparência: um debate de sustentabilidade ética e de ação educativa nas empresas brasileiras

As empresas precisam colocar a sustentabilidade ética como vetor de negócios

Ana Paula Arbache (*)

A “fragilidade” do debate em torno da sustentabiAna Paula Arbachelidade ética, social, ambiental e financeira vem, aos poucos, ganhando maior trato em termos de regulação. O tema impõe uma reflexão sob vários aspectos e dimensões. No entanto, traço aqui um ponto a respeito da sustentabilidade ética e financeira, que começou a afetar algumas empresas multinacionais com filiais no Brasil, bem como empresas com ações na bolsa americana.

Inicialmente, é preciso lembrar que, em 2002, o mundo empresarial foi sacudido pela Lei Sarbanes-Oxley, a qual exigia maior transparência nas relações públicas, contabilidade e auditoria das empresas, buscando proteger consumidores e acionistas. Essa lei tornou-se um marco, uma vez que disseminou uma cultura de correção e transparência pelas cadeias produtivas. A Sarbanes-Oxley ampliou o debate para que o mundo empresarial iniciasse uma nova postura ética nas relações públicas.

Em julho de 2010, a Lei Dodd-Frank de Reforma de Wall Street e Proteção a Consumidores, chamada de “Lei Dodd-Frank - A Reforma Financeira Norte-Americana”(**) entrou em vigor nos EUA e tem pontos polêmicos, como a premiação de delatores de casos de corrupção em 10% a 30% das multas acima de US$ 1 milhão, aplicadas nos Estados Unidos. Cabe aos delatores disponibilizar informações originais e exclusivas, que comprovem a propina a políticos, inclusive brasileiros.

Anterior à Lei Dodd-Frank, os EUA já tinham uma lei anticorrupção estrangeira no Foreing Corrupt Practices Act (FCPA), contudo sem a delação premiada. Essa lei diz respeito aos atos de corrupção de funcionários públicos estrangeiros, pessoas nascidas ou residentes nos EUA, ou qualquer pessoa que pratica ato em prol de violação das leis federais em território norte-americano.

Com mais essa preocupação, empresas como a CPFL, Braskem, Qualicorp e Kimberly-Clark já se antecipam, criando normas internas para gerenciar riscos e assumir uma agenda empresarial ética. É aqui que está o desafio: transcender o papel da sustentabilidade ética empresarial apenas como mero instrumento de marketing e publicidade, para que a mesma possa ser integrada aos negócios, como referência vital para a perenidade.

Não se trata apenas de ensaiar a elaboração de um Código de Ética Empresarial e colocá-lo na parede, mas de disseminá-lo como ponto de partida para as ações de todo o público de relacionamento da empresa; é muito mais que um documento escrito, é a materialização de intenções partilhadas por todos. Trazer esse aspecto para o cotidiano da empresa exige um nível de maturidade alto em sua gestão de negócios e pessoas.

Para as empresas que podem ser afetadas pela Lei Dodd-Frank, cabe não subestimar o fato de que, sem um maior empenho para colocar a sustentabilidade ética como vetor de negócios, a punição virá com certeza, pois a referida lei não aliviará as responsabilidades daqueles que praticaram suborno ou propina a políticos (com dinheiro ou presentes) para conseguirem vantagens. Muitas empresas americanas com filial no Brasil gerenciam esse risco no momento de contratar terceiros, e buscam um mapeamento de informações do contratado; no caso de má reputação, a filial encerra as negociações.

Até aqui parece evidente que, como diz o adágio, “é melhor prevenir do que remediar”. Assim, empresas estrangeiras passam a gerenciar o risco de contratar empresas brasileiras e ter sua marca associada a escândalos de corrupção no Brasil. Neste caso, a prevenção pode ser a melhor aliada.

Diante disso, argumento que o papel da educação corporativa é essencial para favorecer a gestão do conhecimento e o alinhamento de conduta de todos os envolvidos em uma empresa. Mais do que estruturar ferramentas e comunicá-las, é preciso educar os profissionais e líderes, e compartilhar essas informações, bem como traduzi-las para o cotidiano de todos, para que possam ser compartilhadas e vivenciadas. Outro ponto dessa caminhada é o monitoramento e atualização constante do conhecimento, estabelecendo um elo importante entre o Código de Conduta Ética e ações de seu público de relacionamento.

O que vem se passando nas empresas é um reflexo da sociedade, que, com maior capacidade de refletir criticamente, busca um maior compromisso, tanto das empresas, quanto dos seus governos para com a sociedade. O papel das ONGs, dos sistemas de informação e da mídia ao divulgar essas informações, bem como a atuação de consumidores mais educados e conscientes, facilitam a reflexão e, como consequência, viabilizam a existência de leis como a Sarbanes-Oxley e a Dodd-Frank, cuja temática ética é a transparência.

Essas leis já abrem espaço para que, em nosso país, a Câmara dos Deputados apresente a sua versão. Mesmo sem delação premiada, o governo federal enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei que reprime a corrupção estrangeira e vai punir financeiramente as empresas corruptoras. No referido projeto, as empresas deverão reparar integralmente o prejuízo causado, como também pagar multa de até 30% do faturamento bruto. Caberá à Controladoria Geral da União investigar os casos que envolvam o tema.

O debate em torno da ampliação da transparência nas relações com o mercado se justifica pela extensão que este tema ganha, não somente no governo norte-americano, mas pela capacidade de gerar pressões similares no resto do mundo, globalizado economicamente. Nessa direção, o debate e as ações voltadas a sustentabilidade ética, social, ambiental e financeira nas empresas vão se tornando mais robustos, ganhando visibilidade e alargando os espaços para que a sociedade e as empresas possam conviver com os pilares do desenvolvimento sustentável.

Fonte: Reforma financeira norte-americana: a lei Dodd-Frank / Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais. Rio de Janeiro: ANBIMA, 2011.

(**) O texto completo da Lei pode ser encontrado em: http://frwebgate.access.gpo.gov/cgi-bin/getdoc.cgi?dbname=111_cong_pub-lic_laws&;docid=f:publ203.111.pdf.

 

(*) Ana Paula Arbache é doutora em Educação pela PUC/SP e docente dos cursos de MBA Gestão Empresarial da FGV e BSP, além de ser orientadora e avaliadora dos cursos de pós-graduação lato sensu da mesma instituição. Sócia-diretora da Arbache Consultoria e responsável pelas ações de Gestão de Pessoas, Cidadania Corporativa, Sustentabilidade Ética, Social e Ambiental. É autora das publicações: O Educador de Pessoas Jovens e Adultas numa perspectiva multicultural crítica e Projetos Sustentáveis: estudos e práticas brasileiras I e II e também ministra palestras nacionais e internacionais a respeito do tema. Contatos: www.arbache.com.br e www.arbache.blogspot.com.

 

Comentários   

0 # Luís Carlos 02-04-2012 12:06
Parabéns. Muito boas suas reflexões sobre o sentido ético da sustentabilidade empresarial.
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