Docentes comentam a carreira e falam sobre suas esperanças para o futuro da educação

ProfessorNews conversa com professores que atuam em escolas públicas e também em univeridades privadas.

kilimanjaro web“O amor recíproco entre quem aprende e quem ensina é o primeiro e mais importante degrau para se chegar ao conhecimento”. As palavras do pensador holandês Erasmo de Rotterdam (1466-1536) ecoam até os dias de hoje como inspiração para os que trilham a estrada do saber. Como em qualquer profissão, muitos professores abraçaram a carreira do saber por vocação, satisfação pessoal, por sonho ou até mesmo por tradição familiar.

Mesmo levando em consideração os fatores citados, todo professor busca tranquilidade, reconhecimento, respeito e tempo para dedicar-se a especialização e na melhoria na prática de seu trabalho. Entretanto, a maioria dos professores do Brasil não gozam de tantos privilégios que os possibilitem evoluir na carreira como havia planejado.

Em muitos casos, professores universitários ou não, buscam um segundo emprego para complementar a renda, seja na iniciativa privada ou no serviço público. O Portal Professornews conversou com o mestre em Química Marcos Paulo de Souza e especialista em Matemática Valdiria Diná Fortunato de Campos, que ministram aulas no ensino médio de escola estadual, e que também atuam nas universidades paulistas Anhanguera e Unicastelo, respectivamente.

Professornews – Os senhores dividem seu tempo entre ensinar em escola pública e em universidade. Como foi essa decisão?

Marcos Souza – Como leciono para futuros professores, é importante manter contato com alunos do ensino médio.

Valdiria Campos – Primeiro era um sonho ser professora, seguir os passos da minha avó. Fiz o antigo magistério; depois, não queria parar de estudar e fui fazer a faculdade de Ciências, e posteriormente, optando por Matemática. Foi na faculdade que o desejo de ensinar cresceu, e mesmo sem ter quem indicasse, comecei a minha jornada de professora primária; depois, de ensino médio, até chegar ao ensino superior.

PN – Por um lado, a escola pública oferece estabilidade na carreira, mas não remunera tão bem como universidade. É fácil conciliar a realidade nas duas instituições?

Marcos Souza – Acho que são realidades distintas; o aluno de um curso superior foca em um determinado objetivo e se esforça para atingi-lo, enquanto o aluno do ensino médio nem sempre sabe que carreira seguir, não dando o devido valor para essa etapa tão importante de sua vida profissional.

Valdiria Campos – Não, pois são realidades bem distintas. Na escola pública temos alunos não educados, agressivos, indiferentes, e que estão na escola por que o pai obriga, por causa da bolsa-família, para namorar escondido, para encontrar-se com amigos, para fugir das obrigações do lar etc. Os alunos estão sem compromisso, sem responsabilidades, pois sabem que, de uma forma ou de outra, o sistema vai promovê-los. Várias "reformas educacionais" que visam a melhoria do ensino público, desandaram de tal forma que perderam o controle da situação. E a culpa é dos professores por tudo. É onde temos que ser pai, mãe, psicólogo, juiz, delegado, missionário, cozinheiro, médico, terapeuta, enfermeiro, conciliador, conselheiro, compreensivo e o culpado. Em muitas escolas não somos respeitados pelos diretores, supervisores, pais e alunos, muito menos pelos próprios colegas de trabalho e funcionários da escola.

PN – E, na universidade é diferente?

Valdiria Campos – Na universidade, somos profissionais da educação, especialistas em certas disciplinas, responsáveis pelo conhecimento e, como tais, somos respeitados pelos alunos que nos procuram para sanar suas dúvidas. Nas salas de aula, os alunos sabem ficar quietos, sem necessidade de solicitação. Somos ouvidos e respeitados pelos coordenadores, por todos os funcionários da instituição e, o principal, pelos colegas professores. As regras são claras: não estudou, não cumpriu com suas responsabilidades de aluno, vai ser reprovado. Já a má-conduta do professor vai ser advertida e, se persistir, é mandado embora, afinal somos profissionais como quaisquer outros.

PN – Muitos docentes desistem de dar aulas no ensino médio, principalmente nas escolas públicas, para lecionarem nas universidades. Entre os fatores mais comuns são: professores queixarem-se da falta de estímulo por receber baixa remuneração e sem tempo ou recursos para investimento na carreira; o desinteresse dos alunos ou até mesmo violência dos estudantes contra seu próprio professor. Acreditam que essa realidade pode mudar?

Marcos Souza – Infelizmente, não acredito que essa realidade vá mudar em um futuro próximo, mas com trabalho e dedicação, quem sabe?

Valdiria Campos – Tem que ter muita coragem para chegar ao público e falar que está tudo errado, que são necessárias mudanças radicais. Para consertar o mal feito, não adianta dar provas para os alunos (Saresp, por exemplo), e dizer que a escola está mal, que os professores são incapazes, ou dar prova para dar aumento ao professor. Mudanças? Sim, mas, pode ter certeza que não é visando a melhoria de ensino, ou prestigiando os profissionais da educação e, sim, visando o político, o religioso ou o enriquecimento de alguém. A constatação é de uma realidade triste e deprimente, pois até no ensino superior publico as coisas estão difíceis, forçando os professores a dar aula nas instituições particulares para aumentar a renda.

PN – Como é o dia-a-dia do professor que precisa trabalhar em mais de uma instituição de ensino?

Valdiria Campos – Quando um profissional tem que trabalhar em três turnos, em várias escolas diferentes e distantes, para conseguir por volta de R$1.100,00, não vive. Nos dias de descanso, sábado ou domingo, está corrigindo provas ou preparando aulas de forma a estimular seus alunos, arrumando a escola para algum evento ou levando o aluno para passeios educacionais sem renumeração. Apesar de ser educacional, o passeio não pode ser em dia de aula. Por exemplo, na Olimpíada de Matemática, trabalhamos mais ou menos 18 horas, e o professor tem que aguardar os alunos do lado de fora da escola (pois a escola está fechada), acompanhá-los em todos os processos da prova e esperar que os pais venham buscá-los. Tudo isso pelo bem da educação, mas muitas vezes, nem um “muito obrigado” ganhamos como retribuição ao esforço, ou seja, fazemos tudo pelo amor à carreira.

PN – Hoje vale a pena ser professor no Brasil?

Marcos Souza – Apesar dos inúmeros problemas encontrados nas escolas, acredito que estou formando pessoas competentes; então, ainda acho que vale a pena ser professor.

Valdiria Campos – Em qualquer nível do ensino público, não vale apena; é muito desgastante. Realmente, quem está é por amor à profissão, aliado ao tempo para aposentar-se. Os jovens professores entram e, depois, largam o cargo por serviços com melhores condições profissionais e melhor renumerados. Não adianta dar material escolar, livros e mais livros didáticos, sem uma política mais severa e abrangente, atribuindo a responsabilidade de estudar ao discípulo e não ao mestre.

PN – E no ensino superior?

Valdiria Campos – Já no ensino privado e superior, vale a pena,sim. Mas fico triste, pois eu considero o ensino como profissão. Eu sou profissional, tanto na rede pública, como na rede privada, e assumo todas as responsabilidades. Amo o que faço, tenho 22 anos de carreira, e me dói o coração ao falar para um aluno: "faça qualquer curso universitário, mas não seja professor”.

PN – Como assim?

Valdiria Campos – Não adianta exigir comprometimento com a educação dos alunos, de seus pais e dos professores. Precisamos de leis mais severas e com respaldo legal, proibindo, por exemplo, o uso de aparelhos celulares na sala de aula, mini games, tablets, notebooks etc. Em sala de aula, nós professores temos que pedir educadamente aos alunos para guardarem, quantas vezes forem necessárias; pegar nunca, pois se danificar o aparelho, teremos que indenizá-los! Que lei é essa? Cadê o respaldo para o professor em sala de aula? Se os alunos não respeitam nem seus pais, pois não podem punir seus próprios filhos – para não correr o risco de ser presos – imaginem, nós professores!

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