Especialistas debatem sobre a situação do Varejo no Brasil

Encontro promovido pela Editora Atlas reúne especialistas em Negócios e Mercado Internacional

sarau atlasNa última terça-feira (21), a Editora Atlas promoveu o II Sarau de Negócios Atlas, na Livraria Martins Fontes, em São Paulo (SP), com a participação de especialistas das áreas de Marketing, Administração, Planejamento, Gestão e Mercado Internacional, contando com a presença de mais de uma centena de professores, universitários e profissionais de Marketing.

O tema do encontro foi "As Novas Arenas do Varejo: Desafios e Tendências", com debates sobre como anda o mercado de varejo, qualidade de produto e pessoal, treinamento profissional, além de pequenas empresas do setor varejista.

Durante o debate, ficou evidente que a qualidade do atendimento aos clientes pelas grandes redes de varejo é deficiente, enquanto as pequenas lojas de bairros administradas por famílias são mais eficientes no relacionamento com os clientes. E, segundo os debatedores, a falta de treinamento das equipes de venda das grandes redes de varejo é em função da alta rotatividade desses profissionais.

Em linhas gerais, as grandes redes de varejo e franquias comercializam mercadorias de valor agregado maior e com bom giro, enquanto as pequenas lojas concentram-se em atender bem o cliente e, às vezes, é o próprio dono o vendedor, que sabe cativar os clientes. Para compensar a falta dessa proximidade com o cliente, as grandes redes investem mais em tecnologia e sistemas de informática.

Rafael DAndrea - sarau"As pequenas lojas e grandes redes de varejo são semelhantes em alguns aspectos, como os produtos que vendem, mas eles não se preocupam em capacitar e treinar seus profissionais de venda. É necessário conhecer o cliente para poder atendê-lo adequadamente. Muitos de nós sabemos como são organizados o setor varejista e a indústria na Europa e nos Estados Unidos, sua tecnologia, seus produtos e suas estratégias de vendas, os quais, muitos nós vamos copiar. Mas não percebo isso na qualidade de atendimento do vendedor", afirmou Rafael D’Andrea, professor de pós-graduação de Marketing da Insper e diretor da ToolboxTM – Métricas de Ponto de Venda.

Claudio Correra - sarauSobre esse raciocínio, o professor Claudio Correra, do MBA em Marketing da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), acrescentou: "Nesta semana, fui a uma tradicional loja de roupas masculinas no Shopping Pátio Paulista, que é um shopping de clientes de alto poder aquisitivo. E eu fui muito mal atendido. O vendedor não fazia questão nenhuma de me atender. Mas como eu precisava muito de uma calça, eu a comprei. Ele não me vendeu, pois fui eu quem escolheu e comprou. Quando fui tratar do pagamento e disse que precisava ter a roupa ajustada até quarta-feira, o vendedor disse que só a entregaria na sexta-feira. Ou seja, para fazer uma simples bainha na calça é necessário tanto tempo assim? Precisei cancelar a compra e procurar em outro lugar. Fui almoçar no mesmo shopping e a atendente de caixa do restaurante cometeu todos os erros possíveis, e o mais incrível é que o seu gerente estava próximo dela, mas não mexeu um dedo para ajudá-la. É esse tipo de tratamento, ou falta dele, que faz o cliente pensar se volta ao estabelecimento e se o recomenda aos amigos. A grande diferença de uma grande loja para uma pequena está na questão do relacionamento com o cliente. Geralmente, lojas pequenas e antigas de um bairro conhecem seus clientes pelo nome, pelo gosto e até sabem seus números de vestimentas. Isso ajuda bastante o relacionamento."

Para Cláudia Buhamra, professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), a solução é simples; basta as empresas treinarem seus funcionários, não só para o relacionamento com o cliente, mas também para dar o exemplo de bons serviços.

Claudia Buhamra - sarau"Fui a uma cafeteria famosa daqui de São Paulo e vi uma cena muito curiosa enquanto aguardava na fila: uma atendente tentava colocar uma tampa pequena num copo de café grande, e quando percebeu que não cabia, ela a jogou numa pia. Daí, ela pegou outra no mesmo pacote e voltou a jogar na pia. Havia outro pacote ao lado com as tampas maiores, mas ela não havia percebido. Não satisfeita, voltou a pegar uma terceira tampa, que terminou mais uma vez na pia. Isso é um exemplo pequeno, mas toda essa ação gerou gasto pelas tampas desperdiçadas, o tempo do serviço dela, da espera do cliente, e o mais importante: hoje fala-se tanto em Sustentabilidade, e a mocinha jogou fora o plástico sólido sem necessidade; gerando mais um problema para a natureza. Para solucionar problemas de atendimento, não basta que as empresas deem cursos aos seus funcionários. Eu não acredito no sistema de adestramento, pois essa prática dura uma semana ou um mês, no máximo. É necessário dar o bom exemplo, com os donos, os diretores, os gerentes praticando os afazeres comuns na presença dos funcionários, o que melhora não só o relacionamento com os clientes, mas também com fornecedores", completou.

A plateia também participou do debate: um dos presentes aproveitou para compartilhar uma experiência sobre a relação vendedor-cliente.

"Acho que as pessoas deveriam se relacionar com outras com naturalidade, com sua simpatia... Certa vez, eu estava com R$ 100,00 no bolso e fui a um armarinho comprar um funil para a minha mãe. Ao chegar, o vendedor que me atendeu, disse: “Bom dia, meu nome é Valdo, e a senhora”? Me apresentei também, e depois de pegar o que precisava, ele me perguntou se eu precisava de mais alguma coisa. Eu não tinha a intenção de comprar mais nada, mas fui tão bem atendida que acabei me lembrando de outros itens para minha mãe. Para resumir, gastei todos os R$ 100,00 e fiquei lisa", narrou a médica Marilda Tormenta, da Prefeitura de São Paulo.

Ao fim do encontro, um dos organizadores do Sarau, o professor e coordenador do MBA de Marketing da PUC-SP, Luiz Claudio Zenone, comentou um fato interessante sobre um serviço prestado em uma visita a Portugal.

"Em uma loja muito conhecida de Portugal, os clientes faziam uma enorme fila para comprar um novo produto de tecnologia digital. Percebi que o atendente, antes de mostrar o produto, perguntava com bastante educação de onde era o cliente. Perguntei o motivo disso, e ele explicou que mudava a forma de abordagem de acordo com a origem do cliente. Ele disse que se o cliente fosse francês, ele teria que dizer se o produto foi fabricado na França ou quais peças eram oriundas de lá; se fossem ingleses ou americanos, teria que mostrar as funções que são mais utilizadas nos países de língua inglesa, e assim por diante", encerrou.

O Professor Luiz Claudio Zenone e o especialista em Marketing, Criatividade e Gestão da Inovação, Edson Zogbi, falaram mais sobre o varejo para o Portal Professornews.

Professornews: Professor, durante o encontro, muito se falou em estratégias de marketing, dificuldades do grande e pequeno varejo e do relacionamento vendedor-cliente. No entanto, pouco se falou sobre trâmites e burocracias para abrir ou fechar uma empresa. Além de todo o investimento que é necessário para abrir e manter um negócio, é complicado abrir e fechar uma indústria ou loja no Brasil?

Luiz Claudio Zenone - sarauLuiz Claudio Zenone: Sem dúvida. Temos uma legislação que complica demais a abertura e, principalmente, o fechamento de uma empresa. O pequeno lojista é quem mais sofre, pois a legislação o penaliza, por exemplo, gerando uma quantidade enorme de impostos, e quando o seu negócio não dá certo e ele precisa mudar o nome da loja e de segmento, tem mais despesas. E isso pode evitar que os empresários façam investimentos futuros.

Professornews: Os governos, que impõem tantos impostos, acabam deixando os setores de indústria e varejo numa situação complicada, pois se não bastasse a concorrência interna, ainda precisam enfrentar a externa, já que muitos brasileiros preferem comprar produtos do exterior. Não é raro consumidores serem convencidos a comprar sem a nota fiscal. Nesse caso, se, por um lado, o governo fica sem o imposto, os clientes não poderão reclamar depois se o produto estiver com defeito ou não estiver satisfeito com o mesmo e exigir uma troca.

Luiz Claudio Zenone: Num modelo clássico de distribuidores-atacadista-varejista, o repasse do produto até chegar ao cliente torna o preço muito maior do que seu custo ao sair da fábrica, e esse preço precisa ser pago, o que acaba sendo feito pelo consumidor e atendido pelo vendedor sem qualificação. A alta rotatividade dos vendedores inibe os investimentos, como comentei, na melhoria da qualidade dos funcionários, do oferecimento de cursos, e até mesmo para evitar danos à natureza, já que tanto falamos sobre sustentabilidade em todas as esferas da sociedade. Se o consumidor compra algo de fora, além do valor, ele procura qualidade. Produtos vindos da China, nem todos legítimos, podem até ser mais baratos, mas uma pessoa pode comprar uma roupa feita com tinta cancerígena; e aí? O papel do Governo é educar o consumidor, a indústria e o comércio; isso é regra básica de mercado, principalmente no modelo capitalista em que vivemos.

Professornews: Atualmente, muitos países da Europa vivem uma crise financeira, e durante a palestra, o senhor comentou sobre mercados internacionais que são atrativos, como a África. Para o senhor, que reside em Portugal, não seria um bom momento para a indústria brasileira aproveitar esse enfraquecimento europeu e tentar os mercados da África e Ásia?

Edson ZogbiEdson Zogbi: Para o Brasil brigar com as grandes indústrias europeias, é necessário melhorar, e muito, a qualidade de seus produtos. Por exemplo, a África seria um mercado de consumo de bens básicos, como calçados, de saúde... Mas para alcançar os mercados asiático, russo ou do Oriente Médio, de uma maneira geral, é mais complicado, pois muita coisa esbarra em acordos comerciais com outras nações. Uma boa alternativa para o Brasil seria o Portugal, pela cultura, pelo idioma e pela amizade entre os dois países. Muito se fala em aliança entre os dois países, mas não sai do papel. O Brasil, por desinteresse, e o Portugal, por empáfia de manter um comércio com países que já foram suas colônias. É um pouco difícil de explicar essa situação. Para se ter uma ideia, as universidades sul-americanas que se aproximaram das indústrias europeias foram as do Chile.

Professornews: Durante o Sarau, o senhor comentou sobre as diferenças de planejamento entre o setor varejista brasileiro e os da Europa. Como isso se desenvolve?

Edson Zogbi: A estratégia do varejista no Brasil é ficar rico durante a sua geração, ou seja, num prazo de 20 a 30 anos, enquanto o empresário for o dono do negócio. Na Europa e Estados Unidos, planeja-se a riqueza a longo prazo, dando a possibilidade para que os filhos e os netos possam construir suas riquezas, ao herdarem o negócio da família.

Professornews: Aproveitando o assunto, é como o exemplo de William Henry Seward (secretário de Estado norte-americano que intermediou a compra do Alasca do Império Russo, em 1867), que parece ter adivinhado que um dia só os Estados Unidos teriam petróleo no mundo, ou seja, o plano não foi ele mesmo ficar rico, mas o seu país.

Edson Zogbi: Ele foi um visionário. Veja, por exemplo, por que você acha que a Groenlândia pertence à Dinamarca? Pelos mesmos motivos. O modo de pensar negócio na Europa e nos Estados Unidos é muito diferente do Brasil. O lucro é pensado não apenas para os empresários, mas para as nações também. Esses aspectos são tratados em alguns dos 30 livros e 35 DVDs didáticos de minha autoria.

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