A detecção da etapa anterior à ocorrência da insolvência é importantíssima
Por: Rachel Sztajn e Reinaldo Marques da Silva (*) | Jornal da USP
No cenário de crise econômico-financeira vivenciada pelo Brasil e o mundo em decorrência da pandemia do coronavírus, a possibilidade do aumento da insolvência de empresas é real. Nessa conjuntura, a habilidade de detectar uma etapa anterior à ocorrência da insolvência é importantíssima, pois permite tempo maior para o planejamento e implementação de ações preventivas, aumentando as chances de a empresa reverter ou minorar a situação de crise.
A insolvência pode ser definida como a situação na qual o ativo do devedor é insuficiente para fazer frente ao passivo, ou seja, o passivo supera, em valor, os ativos. Preocupamo-nos, aqui, notadamente, com a etapa pré-insolvência.
Inicialmente, vejamos as relações contratuais. Havendo alteração das circunstâncias sobre as quais os contratos foram pactuados, de sorte que, se as partes tivessem previsto essas mudanças, não teriam celebrado os contratos ou optariam por regras diversas, a adequação desses contratos em face da crise pode ser determinada pelo evento imprevisível, dado que não se pode, razoavelmente, esperar que as partes continuem obrigadas pelos contratos em suas estruturas originais.
Assim, eventos imprevisíveis, danosos ou que possam vir a desequilibrar as relações contratuais, como o caso da pandemia de covid-19, poderão dar azo à renegociação dos contratos na tentativa das partes de restabelecerem o equilíbrio, a proporcionalidade, relativizando, pois, o pacta sunt servanda.
Ora, tendo em vista a magnitude dos eventos relacionados à pandemia de covid-19, não seria justo conduzir as partes ao cumprimento obrigatório das cláusulas contratuais que foram pactuadas em situação sem pandemia. Se assim fosse, uma parte seria desfavorecida em benefício de outra, pois todo o risco seria assumido por aquela. Lembre-se de que contratos são instrumentos de alocação de risco, termo aqui empregado no sentido atuarial, ou seja, probabilidade de que algum evento venha a ocorrer e, dessa forma, determinar qual das partes suportará os efeitos, positivos ou negativos.
Na conjuntura de pandemia de covid-19, tem-se um acontecimento extraordinário, imprevisível, colocando em xeque muitos contratos, que não poderiam ser executados sem uma desvantagem excessiva para uma das partes. Essa situação foi agravada para os contratos de longa duração, de execução continuada ou diferida. Por isso, a importância do incentivo à renegociação. As partes devem prestigiar os mecanismos alternativos às demandas judiciais, buscar o diálogo, a mediação, de sorte a evitar maiores desgastes.
Necessária atenção há de ser dada ao dever de cooperação entre os agentes econômicos. Por um lado, é certo que a obrigação, enquanto vínculo jurídico que une credor e devedor para o cumprimento de uma prestação, não pode ser analisada sob o aspecto de submissão absoluta daquele que deve, nem de total supremacia do credor, sendo necessário preservar, sempre, uma estrutura de equilíbrio entre as partes.
Quanto ao mais, tendo em vista o direito da crise empresarial, o incentivo à renegociação no âmbito pré-insolvencial caracteriza-se como uma renegociação de tipo coletivo, em contraposição à renegociação de tipo individual, própria do direito civil, mais precisamente das relações obrigacionais. É dizer, na seara do direito da crise empresarial, que a renegociação tende a ser universal, estabelecida entre a empresa devedora e todos os seus credores.
Os fundamentos recuperacionais objetivam a preservação das empresas viáveis, para que tão somente aquelas com reais condições de manter as atividades sejam abarcadas, maximizando o resultado útil. Por assim ser, ainda na fase pré-insolvência (entendida como crise da empresa) os administradores devem ser incentivados a renegociar, de sorte a maximizar positivamente os esforços para superar o estado de crise agravado pela pandemia de covid-19.
A empresa devedora deve negociar com seus credores, deixar evidente a eles que, apesar da situação crítica de pandemia, a empresa tem condições de superar os eventos desfavoráveis e sobreviver à crise.
Destaque há de ser dado à cooperação entre credores e devedores, posto que preservar as relações é necessário para reduzir custos de transação, notadamente em havendo exacerbada dependência entre as partes. Credores e devedores devem empenhar seus melhores esforços para apresentar e aceitar propostas de reestruturação viáveis. Ante a pandemia, devem privilegiar o diálogo, ou os métodos alternativos de resolução de disputas.
Pois bem. A renegociação na fase de pré-insolvência deve ser incentivada porque cumpre função de grande relevância, qual seja, evitar a falência, prestigiando a função social da empresa e a preservação do seu funcionamento, atividade geradora de riqueza, emprego e renda.
Detectar os riscos de insolvência antes que esta ocorra e renegociar em tempo hábil pode dar maiores chances de superação da crise para a empresa.
(*) Rachel Sztajn é professora da Faculdade de Direito da USP, e Reinaldo Marques da Silva é doutorando em Direito e Ciências Sociais pela Universidad Nacional de Córdoba.
Leia a original no Jornal da USP.