A timidez pode transformar um bom professor em um tirano

O ator Antonio Ravan dá dicas para o professor ganhar em dinamismo e eloquência

ravan-guruExistem professoras e professores veteranos, com décadas de carreira, que confessam sentir-se ansiosos e temerosos todas as vezes que inicia aula em turma nova. O que será que provoca essa sensação terrível e angustiante?

Para compreender um pouco mais essa parte da psicologia, o Professornews foi conversar com um ator "tarimbado" que também diz sentir essa ansiedade antes de entrar em cena. Parece estranho, pois a sensação que os atores nos transmitem é que eles não sentem vergonha de se expor.

antonio-ravanÉ claro que, no caso do nosso entrevistado, o ator, dramaturgo e diretor artístico Antonio Ravan (*), essas questões estão sob total controle (para os nostálgicos: lembram-se do seriado Amazônia, da Rede Globo?).

Entre uma gravação de cena e outra, conseguimos bater um papo bem proveitoso e descontraído com o Ravan. O resultado dessa conversa, você pode conferir a seguir.

Professornews - Existe uma antiga expressão: “prefiro enfrentar a morte do que falar em público”. Como se explica o fato de muitas pessoas terem um medo quase incontrolável de falar para um grupo de pessoas?

Antonio Ravan - Acredito que a raiz desse medo tenha a ver com o nosso medo ancestral de sermos rejeitados pelo grupo do qual fazemos parte. Como animais sociais, sentimos necessidade de sermos aceitos por nossos iguais. Quando falamos em público, estamos por demais expostos a suas observações e críticas a nossas idéias.

Sentir que o grupo pode nos considerar ridículos, óbvios ou idiotas pela nossa apresentação nos faz fantasiar que seremos afastados do grupo ou menosprezados por ele. O isolamento, para o ser humano, de certa forma, é uma morte.

Como uma pessoa tímida pode vencer seu medo de falar em público?

Quando dizemos que uma pessoa é tímida, há por trás disso outro fator que me parece mais determinante: a vaidade humana. Não se trata apenas de sermos olhados ou expostos a um público, mas sim como somos olhados. Aí, internamente, indagamos: “o que eles pensam de mim neste momento?”ravan palestra inteligencia emocional

É como estar em uma festa de casamento onde há espaço para dançar no meio do salão, com música convidativa e todos querendo dançar, porém, o máximo que fazem é bater o pé, estalar os dedos ou mexer ritmicamente a cabeça acompanhando o desenrolar da música. 

Todos querem dançar, mas ninguém se arrisca a ir lá para o meio do salão e começar a se expor, a perder o medo de se sentir ridículo. Quando um “corajoso” resolve perder o medo e a vergonha, ou acima de tudo, vencer a vaidade e começar a dançar, o salão vai sendo preenchido em ritmo de cascata por todos aqueles que desejavam intensamente isso, mas temiam a exposição.

Então, a dificuldade de falar em público começa bem antes de uma apresentação ou palestra?

Sim. Ouço sempre a mesma frase: “o problema são os cinco minutos iniciais; depois que passa aquela tensão, eu deslancho”. Ou seja, a platéia não o arrasou, ela não o colocou na tábua e o fez andar para fora do navio. Você se mostrou capaz e o emocional deixou de entrar na frente do racional. As fantasias negativas que criamos, relacionadas àquele medo citado há pouco, é que nos fazem alimentar o "monstro" da exposição. E isso ocorre enquanto fantasiamos o pior que pode nos acontecer durante a exposição frente ao público.

Existem professores reconhecidos por seus alunos como grandes mestres em suas áreas, mas que não conseguem lhes transmitir os conhecimentos. Nesse caso, não se trataria de timidez, mas de uma deficiência na forma de transmitir o conteúdo. É possível esse profissional corrigir o problema?

Conheci alguns desses professores considerados gênios, mas você sabe como são os gênios. Para eles, tudo parece tão óbvio, tão fácil de entender. Então, porque os outros (alunos) também não entenderiam?

ravan palestra mutantes irritadosUma vez fui chamado por uma empresa que trabalha com automação. Seus engenheiros, todos extremamente capazes, que deviam ensinar os funcionários das empresas em que implantavam essa automação, ficavam muito estressados. Essa era a queixa. Os engenheiros não tinham a paciência de explicar algo que não havia sido entendido, e os funcionários temiam até fazer perguntas, tal a expressão nada amigável e visivelmente contrariada dos mestres engenheiros.

Durante o treinamento que fiz com esses engenheiros, coloquei-me da mesma forma que eles tratavam os funcionários. Perguntei sobre assuntos dos quais eles não tinham a mínima idéia do que se tratava e, a cada pergunta que faziam, eu respondia com certa impaciência e incredulidade, como se dissesse: "...mas, como você não sabe isso?". Eles ficavam constrangidos, como os funcionários das empresas ficavam. Por fim, entenderam o que sua postura e pouca didática causavam.

Mas seria só prepotência desses "professores"?

De forma alguma. Apenas uma dificuldade em entender as coisas pelos olhos dos outros.

Mas esse não é o único fator desses mestres não serem tão bons comunicadores. Muitos são introspectivos por natureza, dedicam-se a seus estudos e à busca por mais conhecimento e isso os afasta da convivência social. Além, é claro, das características naturais de personalidade de cada um.

A forma como trabalho com pessoas tímidas ou fechadas é colocando-as para “brincar” um pouco, usando jogos teatrais, de improvisação, quebra de automatismos, exposição em grupo, entre vários recursos.

Acredito que não se ensina oratória ou se faz alguém ser mais comunicativo e espontâneo entregando-lhe uma apostila do tipo “Dicas Práticas para se Comunicar Bem“. O professor precisa aprender a conviver com as pessoas, brincar um pouco, rir de si mesmo, conhecer o que sua timidez causa nos outros e como estes o veem. Ele precisa sentir-se à vontade em estar e conviver com pessoas, conhecer-se melhor. Aí está a saída verdadeira e eficaz. Uma simples apostila com dicas não resolveria o problema.

Na sua opinião, a falta de dinâmica e eloquência de um professor prejudica mais do que a timidez ao falar em público ou ambos estão correlacionados?

Amar o que fazemos e compartilhar com os outros aquilo que temos a ensinar é fascinante, é um bom começo para que as aulas ganhem em dinamismo e eloquência. Digo sempre que, se aprendermos a gostar de nos expor, começaremos a olhar a vida de outra forma e fazermos as coisas, também, de outras formas, com várias alternativas.

ravan passeioA timidez atrapalha bastante a relação do professor com os alunos. Pode transformar um professor em um tirano que exige ordem e conduta excessivamente rígida com os alunos, pois o rigor faz parte de seu autocontrole, como se controlando tudo, suas inseguranças emocionais estivessem guardadas e ocultas. Ninguém saberia da sua fraqueza.

Um professor que tem boa relação com seus alunos, que permite o diálogo, a contestação e a dúvida enriquece seus alunos e a si mesmo. Na minha visão, se queremos professores mais “descolados”, como dizem os alunos, os professores precisam conhecer seus medos, suas vergonhas, suas inseguranças e aprender a se expor mais e permitir, por que não, o erro. Mesmo que errar não seja uma atitude normal em um professor.

(*) Antonio Ravan - Psicólogo clínico e organizacional, com especialização em psicodrama e com 25 anos de experiência nas áreas de resolução de conflitos com inteligência emocional, relações interpessoais e desenvolvimento da criatividade. Dramaturgo e diretor artístico, ator de cinema, teatro, televisão. Diretor do Centro de Expressão Antonio Ravan, onde desenvolve cursos e consultoria para palestrantes, professores e pessoas que necessitam falar em público.

Reportagem: Equipe Professornews

Comentários   

0 # Mônica 19-07-2012 11:21
Gostei muito do artigo, pois expõe a realidade de muitos docentes. Há oito anos sou docente no ensino superior e percebi que sendo controladora para ocultar as fraquezas não seria o caminho mais adequado. Hoje minha aula é mais participativa e procuro controlar minhas tensões aumentando o meu conhecimento e procurando casos práticos para que os acadêmicos participem ativamente da aula expositiva.
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