O racionalismo à luz da filosofia cartesiana: uma abordagem analítica em três atos

Cada área do conhecimento humano nada mais é do que uma totalidade de saberes distintos que pode ser segmentada em diferentes partes

Marcos Pereira dos Santos (*)

Em primeira instância, é mister esclarecer ao público leitor que o presente ensaio científico é resultante de um trabalho avaliativo originalmente elaborado e apresentado pelo autor supracitado ao Curso de Licenciatura em Filosofia da Faculdade Entre Rios do Piauí (FAERPI), em parceria com o Grupo Gênio Apoio Educacional – “Projeto Especial 2ª Licenciatura”, no mês de fevereiro de 2016, como requisito avaliativo parcial na disciplina de “Prática Pedagógica em Filosofia: Ensino Fundamental” (80 horas/aula), ministrada pelo professor especialista Rudnei Abreu, do Instituto de Educação Superior Sant’Ana (IESSA), durante os meses de janeiro e fevereiro do corrente ano, na sub-sede do Grupo Gênio Apoio Educacional, localizada no município de Ponta Grossa – Estado do Paraná. 

Posto isto, torna-se profícuo salientar que este texto científico tem como principal objetivo efetuar algumas análises crítico-reflexivas concernentes ao racionalismo filosófico-cartesiano, tendo como pano de fundo as concepções teóricas idealizadas pelo filósofo racionalista francês René Descartes (1596-1650), especificamente no que diz respeito a três pontos basilares de sua teoria filosófica, a saber: 1º) contributos do método cartesiano de investigação para a Ciência em geral; 2º) necessidade da dúvida metódica (dúvida crítica ou dúvida cartesiana) no processo de (re)construção de conhecimentos científicos; e 3º) significado filosófico do binômio pensamento-existência humana.

Há um velho provérbio popular que afirma o seguinte: “as ideias movem o mundo” e, por conseguinte, os seres humanos em sentido amplo. Trata-se, grosso modo, de uma assertiva deveras tautológica; haja vista que são as ideias, ou melhor dizendo, o pensamento lógico-racional e a reflexão crítica sobre as “coisas” existenciais concretas, que possibilitam ao homem conhecer e transformar a si mesmo e o mundo à sua volta, buscando assim melhorar substancialmente a qualidade de vida em seus múltiplos aspectos e conquistar a felicidade plena tão almejada.

Sem a pretensão de desmerecer as inúmeras contribuições teóricas de outros renomados filósofos clássicos e contemporâneos para a história da Ciência e da Filosofia, em particular, devotamos uma admiração especial pelo filósofo francês René Descartes – um dos pais da denominada “Filosofia Moderna” – por ter sido ele o principal responsável pela criação do método cartesiano de investigação científica (amplamente apresentado na obra de sua autoria intitulada “Discurso do método”), o qual lhe possibilitou realizar uma sistematização racional do conhecimento científico existente em sua época histórica, demonstrando existir assim uma relação umbilical parte-todo na constituição dos diferentes saberes e “verdades” que permitem a cada área do conhecimento adquirir o status de Ciência.     

Em outras palavras, isso significa dizer que cada área do conhecimento humano nada mais é do que uma totalidade de saberes distintos que pode ser segmentada em diferentes partes, as quais, por sua vez, formam um todo coeso, isto é, uma unidade harmônica estruturalmente bem consolidada e didaticamente organizada. Daí a Ciência ser composta por diferentes campos do saber científico até então conhecidos (Filosofia, Sociologia, Psicologia, História, Matemática, Biologia, entre outros), cada qual apresentando ainda subáreas ou sub-ramos diversos.

A título de exemplificação, torna-se profícuo salientar que uma aplicação prática do método cartesiano de investigação científica, nos dias atuais, pode ser identificada na configuração das grades curriculares dos diferentes cursos ofertados pelas escolas de Educação Básica e instituições de Ensino Superior (em nível de graduação e pós-graduação lato sensu e stricto sensu). Tais grades curriculares são, pois, compostas por um vasto rol de disciplinas escolares (de base nacional comum e de núcleo específico/diversificado) que, em decorrência da própria complexidade de sua estruturação didático-metodológica, apresentam desdobramentos em unidades temáticas distintas que englobam diversos conteúdos curriculares programáticos.

Outros três exemplos importantes de aplicabilidade do método cartesiano de investigação científica que podemos citar são referentes ao: 1º) processo de aquisição da leitura e escrita na escola (inicialmente, aprende-se a ler e escrever as vogais e consoantes, depois as sílabas – família silábica, em seguida as palavras, e, por fim, as frases e os textos em geral); 2º) desenvolvimento de pesquisas acadêmico-científicas (delimitação do tema/objeto de estudo, assunto, objetivos norteadores, levantamento de hipóteses, estado da arte/revisão de literatura, metodologia de pesquisa, resultados obtidos e discussões teóricas); e 3º) advento da Geometria Analítica como um dos sub-ramos específicos da Matemática, que tornou possível a determinação de um ponto qualquer em um plano bidimensional mediante duas linhas perpendiculares fixadas graficamente (coordenadas cartesianas). Trata-se, portanto, da existência da relação parte-todo, ou seja, de um todo complexo constituído de partes distintas com valoração igualitária que, por sua vez, formam um constructo unitário imbricado. 

Com efeito, tudo isso somente é possível de ser realizado graças à razão, cuja sede está na “cabeça” do homem, onde se encontra a psyché (palavra de origem grega que significa alma, intelecto, pensamento). Nesse contexto, a razão se configura como sendo o principal elemento que diferencia os seres humanos dos animais irracionais que agem apenas por instintos, pois é ela que permite ao homem observar, identificar, conjecturar, pensar, analisar, refletir, criar, construir, desconstruir, reconstruir, estabelecer analogias e transformar a si mesmo e o mundo material concreto à sua volta; num processo intrincado, ativo, dinâmico e continuum.

Uma vez que a razão pode ser concebida como essência humana e peculiaridade do homem (único ser racional pensante existente sob a face da Terra), corroboramos com Descartes ao postular sobre a necessidade da dúvida metódica (dúvida crítica ou dúvida cartesiana), isto é, de colocar tanto a realidade metafísica/transcendental quanto a realidade objetiva existencial concreta sob “suspeita” ou “investigação” através do uso da razão, pois os sentidos humanos – embora sejam importantes auxiliares para a ocorrência de diversos tipos de aprendizagem – muitas vezes nos enganam; fazendo-nos idealizar apenas um “mundo sensível”, aparente, ilusório, fantasioso, imagético, surreal. Logo, a realidade objetiva material concreta, em específico, não é toda ela conhecida pelo homem em sua verdadeira essência, mas apenas superficialmente na representação social-simbólica do que é em si. 

Dizemos isso, porque o “mundo inteligível”, onde estaria todo o arcabouço de ideias e pensamentos racionais, possibilita ao homem (re)construir diferentes conhecimentos e saberes úteis para a evolução da espécie humana e o desenvolvimento científico-tecnológico das sociedades em diferentes culturas. Entretanto, tais conhecimentos e saberes não são estáveis, estáticos, estanques, “prontos e acabados”, constituindo um fim em si mesmos, mas verdades efêmeras que são passíveis de mudança, pois constituem o resultado de contínuas descobertas científicas e das reais necessidades apresentadas pelo homem ao longo de cada década histórica. Sob esse ponto de vista, pode-se assegurar que todo conhecimento científico é relativo e flexível, tendo como principais fundamentos basilares norteadores a não neutralidade da Ciência e a reflexão filosófica (radical, rigorosa e de conjunto).

Sendo a razão um imperativo epistemológico essencial para o sentir-pensar-fazer humano em suas múltiplas facetas, podemos dizer, de forma sumária, que ela é a essência da vida e o cerne da existência humana; visto que somente quando pensamos e refletimos racionalmente sobre as coisas do mundo “sensível” e “inteligível”, equacionando os prós e contras de tudo o que se nos apresenta como sendo realidade metafísica e/ou realidade material concreta, é que verdadeiramente existimos como Ser. Eis, portanto, a veracidade da célebre máxima filosófica de René Descartes: “Penso, logo existo” (“Cogito ergo sum”; em latim).

Face ao exposto, almejamos que os assuntos abordados em três atos distintos no escopo deste texto possam, direta ou indiretamente, contribuir para a ampliação do arcabouço teórico-metodológico alusivo à área de Filosofia e servir de fonte inspiradora de novas leituras, re-leituras e tessituras por parte de filósofos, pedagogos, pesquisadores em Educação, docentes e discentes de diferentes cursos de bacharelado e licenciatura; buscando assim melhor compreender a questão do racionalismo sob a ótica da filosofia cartesiana como mola propulsora de transformação do ser humano e do mundo material concreto.

É hora, pois, de sair da “caverna platônica”, mais especificamente do “mundo sensível”, e colocar a “mão na massa” à luz dos aportes filosóficos de René Descartes; cujo legado teórico é vastíssimo e de relevância capital.

Então: vamos lá? O momento é agora!   

 

(*) Marcos Pereira dos Santos – Autor do livro O Real e o Ideal na Escola do Século XXI (Professornews); Doutor em Teologia, ênfase em Educação Religiosa, pela Faculdade de Educação Teológica Fama (FATEFAMA) – Macapá/AP; mestre em Educação – linha de pesquisa “Formação de Professores; especialista em Administração, Supervisão e Orientação Educacional; especialista em Matemática e licenciado em Matemática pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG/PR); licenciando em Filosofia pela Faculdade Entre Rios do Piauí (FAERPI), em parceria com o Grupo Gênio Apoio Educacional – Ponta Grossa/PR. Professor assistente da Faculdade Sagrada Família (FASF), junto a cursos de graduação (bacharelado/licenciatura) e pós-graduação lato sensu, em Ponta Grossa/PR. Endereço eletrônico: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

 

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