Opinião sobre o projeto que prevê punição legal por desrespeito ao professor: Hey ‘kids’, leave us ‘teachers’ alone

O conhecido refrão da música da banda Pink Floyd cabe perfeitamente no subtítulo

Por Irene Nohara (*)


Irene nohara com laterais webEm trâmite na Câmara dos Deputados o projeto de lei pela punição de aluno que desrespeitar professor. A proposta prevê punição para estudantes que desrespeitarem professores ou violarem regras éticas e de comportamento nas instituições de ensino. Pelo Projeto de Lei nᵒ 267/11, o estudante ficará sujeito à suspensão e, na hipótese de reincidência grave, será encaminhado à autoridade judiciária competente.

Objetiva-se mudar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para incluir o dever de respeitar a autoridade intelectual e moral dos docentes por parte de crianças e adolescentes estudantes. Se fosse algo descontextualizado, pareceria até uma regra de moralidade própria de um sistema totalitário ou de uma ditadura, tendo em vista que o viés predominante do ECA é no sentido da proteção à criança e ao adolescente, ou seja, no estabelecimento de direitos, mas, no contexto brasileiro atual, em que professores sofrem violência verbal e até física, em alguns casos, por parte de alunos, é assunto a ser “discutido” socialmente. 

Ocorre que, em nossa opinião, o acirramento das punições não resolve o problema do desrespeito aos professores. Tentar equacionar uma questão complexa como esta, arraigada em um contexto social de crescente desvalorização do profissional da educação, com singelas alterações na legislação, nem de longe atacará as causas que provocam esse desrespeito, que, diga-se de passagem, é, em grande parte, “reproduzido” (e não espontaneamente produzido) por crianças e adolescentes.

Ora, se a sociedade brasileira como um todo valorizasse mais as atividades dos docentes, hipótese na qual a educação, em si, seria um bem efetivamente almejado, bastaria a aplicação das regras disciplinares internas dos próprios estabelecimentos de ensino, mas parece que os legisladores querem dar um “consolo inócuo” aos professores com esta medida, sobrecarregando ainda mais as já inflacionadas missões do Poder Judiciário.  

Aviltante (mais do que desrespeitoso) é o modo como a sociedade imediatista percebe o educador, pois parece que, para além da formação profissional, é cada vez menos cultivada a transmissão de “valores” voltados para a cidadania, até porque, na atmosfera de individualismo vigorante, a solidariedade pressuposta na cidadania não é algo lá muito incentivado e o estudante, por sua vez, sente-se mais importante do que seu professor, considerado não raro um profissional “descartável” ou “substituível”.

O resultado do qualificado processo de ensino, que é uma educação primorosa, tampouco é algo, em si, valorizado na sociedade atual (claro que, no plano do discurso, há toda uma “construção”, que não é tão compatível com a realidade); primeiro, porque, para o grosso da população, não é tão visível e cultuado, como o status proveniente da aquisição de bens materiais e de oportunidades sociais de efetivo ‘empoderamento’; depois, porque o senso crítico que acompanha uma educação não-superficial quase sempre transforma o ser humano num questionador, algo que também não é lá muito apreciado pelo sistema.

Assim, parece que as pessoas preferem ostentar diplomas e títulos em vez de compartilhar o conhecimento e o senso crítico decorrentes da experiência de pesquisa e estudo. Logo, os professores sentem-se progressivamente “usados”, pois se a sua atividade, que teria valor em si, é tida, quando muito, como um meio ou instrumento para obtenção de algum benefício social, aquilo que ele enxerga como uma “experiência existencial significativa e socialmente transformadora” passa a ser tratado como um efêmero ritual de passagem apto a assegurar conquistas outras, estas sim, mais valorosas do ponto de vista social.

Diante desse estado de coisas, não basta ter uma concepção individual/solipsista diferenciada. Enquanto a sociedade prosseguir nessa postura, será inevitavelmente crescente a desvalorização do professor, numa verdadeira inversão de valores e até de papeis. Daí, o trocadilho com o refrão de Another Brick in the Wall contido no subtítulo da presente reflexão, pois chegará o dia em que o professor pedirá licença para não ser ofendido ao tentar transmitir alguma sabedoria adquirida com base nos seus conhecimentos, sendo não mais o aluno (o que também é lamentável, ressalte-se), mas o ‘docente’ a vítima de dark sarcarsm (humor negro) e thought control (controle de pensamento) nas salas de aula.

Em suma, de nada adianta, a nosso ver, incluir no ECA um dever de as crianças e adolescentes respeitarem uma “autoridade” que a sociedade NÃO reconhece em seus docentes. Para alteração dessa realidade, se é o que se deseja de fato, há a necessidade de ações mais consistentes no tratamento das causas e não simplesmente dos efeitos da crescente desvalorização social dos professores.

Tradução do subtítulo: “Ei, crianças, deixem nós, professores, em paz”. Trocadilho com o conhecido refrão da música da banda Pink Floyd, tendo em vista a troca do sujeito ativo.

 

(*) ProfessoraIrene Patrícia Nohara é graduada, mestre, doutora e livre-docente em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo; professora pesquisadora do Programa de Mestrado em Direito da Universidade Nove de Julho.

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