Como e quanto poupar para complementar a aposentadoria

No longo prazo, o raciocínio deve ser com base em taxa de juro real

Masakazu Hoji (*)

dinheiro torneiraO brasileiro nascido em 2013 tem a expectativa de viver 74,8 anos (74 anos e 9 meses e 18 dias), sendo 71,3 anos para homens e 78,5 anos para mulheres. Segundo o estudo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o Brasil terá 5 milhões de idosos com idade de 90 anos ou mais em 2060, com expectativa de vida média de 81,2 anos (78 anos para homens e 84,4 anos para mulheres).

Em muitos países, os investidores recebem juro real "negativo", como é o caso dos Estados Unidos, Japão, Inglaterra e França, entre outros, o que significa que o investimento financeiro está sendo remunerado com taxas de juros abaixo da inflação nesses países. Nas últimas décadas, o Brasil esteve colocado entre os países que pagam as taxas de juro real mais altas do mundo. Mas essa situação pode mudar nos próximos anos, igualando-nos a países mais desenvolvidos.

Imagine investir R$ 100 mil hoje e resgatar um valor menor do que isso em termos reais daqui a 20 ou 30 anos. Parece uma situação irreal para um brasileiro, mas isso pode ocorrer também conosco. 

Não! Na verdade, não estamos tão longe dessa realidade. A remuneração da caderneta de poupança, nosso investimento financeiro mais popular, apresenta uma rentabilidade real (descontada a taxa de inflação) próxima de zero.

Com expectativa de vida cada vez maior, e taxa de juro real cada vez menor, mais premente se faz o início do planejamento previdenciário e gestão eficiente dos investimentos. As estratégias para atingir o objetivo de acumular o capital necessário devem guardar estreita relação com um cenário econômico factível.

No artigo Planejamento previdenciário e qualidade de vida, apresentamos os principais aspectos financeiros envolvidos no planejamento da aposentadoria. No exemplo desenvolvido, a renda mensal necessária para viver adequadamente durante o período de aposentadoria seria de R$ 7.500 (em valor de hoje) e parte desse valor seria fornecido pela previdência social (INSS). Assim, para complementar a renda mensal necessária, haveria necessidade de gerar uma renda complementar de R$ 4.900, como segue:

 

(a) Renda mensal necessária:                                 R$ 7.500

(b) Renda mensal de previdência social                  R$ 2.600

(a-b) Renda mensal complementar                     R$ 4.900

 

Neste artigo, vamos mostrar como se calcula os valores necessários para acumular o capital que produz a renda mensal complementar. Os cálculos levam em consideração um retorno real de 2% ao ano (taxa de juro real). Mas antes de prosseguir com os cálculos, vamos fazer uma breve explicação do conceito de juro real.

No longo prazo, o raciocínio deve ser feito com base em juro real

A formação da taxa de juro é determinada em função da oferta e procura de recursos financeiros. Quanto maior a incerteza do retorno do capital investido (em consequência de maior prazo e/ou maior risco), maior será a taxa de juro exigida pelo fornecedor de capital. A taxa bruta de juro é composta de taxa de inflação e taxa de juro real. A taxa de juro real, por sua vez, é composta de taxa de risco e taxa livre de risco. Por mais seguro que seja um investimento, existe algum risco.

O título emitido pelo governo americano é considerado um dos investimentos financeiros mais seguros do mundo. Por esse motivo, mesmo pagando taxa de juro real negativo, os investidores preferem manter seus recursos investidos em dólar. Mas, em um prazo de 20 ou 30 anos, não poderia ocorrer algum fato gravíssimo atualmente improvável (guerra mundial, ataque terrorista à Casa Branca, metade dos Estados Unidos devastada por tornados etc.) que prejudicasse consideravelmente a economia americana e desvalorizasse bastante o título? Pode ser ínfimo ou quase nulo, mas que existe o risco, existe!

O conceito de juro real (retorno real) é importante no longo prazo, pois será a taxa de juro com que o nosso patrimônio será remunerado durante o período de acumulação e, também, durante o período de aposentadoria, para que não se perca o poder de compra da moeda.

Suponha que, em determinado ano, um aposentado gastava R$ 2.500 por mês para comprar todos os itens de consumo necessários à sua sobrevivência (alimentos, material de limpeza, vestuário, mensalidades diversas etc.). Ele pagava seus gastos com uma renda mensal de R$ 2.500 proprocionada por um patrimônio indexado à taxa de inflaçao, no valor de R$ 500 mil, que rendia 0,5% ao mês acima da inflação (taxa de juro real de 0,5% ao mês). Suponha que, muitos anos depois, foi constatada uma inflação de 50% no período, o que significa que os mesmos itens de consumo passaram a custar R$ 3.750 (R$ 2.500 x 1,50 = R$ 3.750). O patrimônio de R$ 500 mil acompanhou a inflação no período e passou a valer R$ 750 mil (R$ 500.000 x 1,50 = R$ 750.000). Como a taxa de juro real é de 0,5% ao mês sobre R$ 750.000, o patrimônio rende agora R$ 3.750, valor suficiente para pagar os itens de consumo. Esse é o conceito de juro real. Para saber mais sobre a taxa de juro real, leia o artigo Como calcular o rendimento real de um investimento?

Formas de receber a renda mensal

Como demonstrado no artigo Planejamento previdenciário e qualidade de vida, existem duas formas de receber a renda mensal:

  - renda perpétua; e

  - renda por tempo determinado.

E o patrimônio acumulado que gerará a renda mensal pode ser representado por fundo de pensão, fundo de previdência aberta, imóveis de aluguel, negócios próprios, carteiras de ações e aplicações financeiras em geral, enfim, qualquer ativo que gere renda. 

No regime de renda perpétua, o beneficiário recebe somente os rendimentos reais, deixando intacto o patrimônio. Essa forma de rendimento é mais seguro, pois enquanto viver, terá o rendimento garantido. Porém, o patrimônio acumulado deve ser bastante robusto. 

No regime de renda por tempo determinado, calcula-se o valor de resgate mensal com base no patrimônio acumulado e rendimentos futuros, até resgatar todo o saldo no prazo de sobrevida estimado. Por esta forma de resgate, o patrimônio pode ser menor do que a do resgate de renda perpétua.  

No artigo citado, assumindo uma taxa de retorno real de 2% ao ano e estimando a sobrevida em 35 anos a partir de 55 de idade, o patrimônio necessário é de R$ 2.966.856 para renda perpétua e de R$ 1.483.345 para renda por prazo determinado, . 

Quanto poupar anualmente durante o período de acumulação de capital

Vamos apresentar o roteiro de cálculo para hipótese de renda vitalícia. Outras condições serão calculadas ao final.  

O patrimônio necessário para gerar renda mensal perpétua livre da inflação, no valor de R$ 4.900, considerando uma taxa de retorno real anual de 2% (taxa mensal equivalente de 0,165158% ao mês), é de R$ 2.966.856. O patrimônio necessário será menor se a taxa de retorno real estimada for maior e vice-versa.

A questão é: quanto poupar mensalmente para acumular esse patrimônio? Vamos raciocinar em períodos anuais, pois o montante possível de poupar pode variar todos os meses.

Suponha que o indivíduo tenha hoje uma idade de 30 anos e queira aposentar-se aos 55, ou seja, daqui a 25 anos. Vamos supor que ele já tenha acumulado até agora um patrimônio de R$ 100 mil.

O patrimônio acumulado de R$ 100.000 (valor presente) estará valendo R$ 164.061 (valor futuro) daqui a 25 anos, atualizado com taxa de retorno real de 2% ao ano (taxa de juros). Logo, ele precisará ter acumulado mais R$ 2.802.795 durante esse período, que é a diferença entre R$ 2.966.856 e R$ 164.061. 

Com uma calculadora financeira:

     VP = R$ 100.000

     N = 25 anos

     i = 2%

     VF = ??    => R$ 164.061 

Para facilitar o leitor, elaboramos o Quadro 1, com diversas taxas de retorno e diversas faixas de idade. Como pode ser verificado, se a taxa de retorno for "zero", o valor futuro (montante) será o mesmo que o valor atual de R$ 100 mil, pois não haverá rendimento durante o período. Da mesma forma, o montante acumulado no último ano não terá rendimento, qualquer que seja a taxa de retorno.

Se o valor atual for diferente do enunciado, por exemplo, de R$ 82.000, é só calcular sua proporção em relação ao valor da tabela, como segue: R$ 82.000 / R$ 100.000 x R$ 164.061 = R$ 134.530.

Em outra hipótese, se o valor atual for de R$ 165.000 e prazo de 15 anos, com taxa de retorno de 2,5% ao ano, o montante será de R$ 238.969, calculado como segue: R$ 165.000 / R$ 100.000 x R$ 144.830 = R$ 238.969.

 

Quadro 1  Montante de valor atual de R$ 100 mil capitalizado com taxa de retorno real.

Taxa de

retorno

(% a.a.)

Idade atual (entre parênteses, o tempo de investimento até 55 anos)

20

25

30

35

40

45

50

55

(35)

(30)

(25)

(20)

(15)

(10)

(5)

0

0%

100.000

100.000

100.000

100.000

100.000

100.000

100.000

100.000

0,5%

119.073

116.140

113.280

110.490

107.768

105.114

102.525

100.000

1%

141.660

134.785

128.243

122.019

116.097

110.462

105.101

100.000

1,5%

168.388

156.308

145.095

134.686

125.023

116.054

107.728

100.000

2%

199.989

181.136

164.061

148.595

134.587

121.899

110.408

100.000

2,5%

237.321

209.757

185.394

163.862

144.830

128.008

113.141

100.000

4%

394.609

324.340

266.584

219.112

180.094

148.024

121.665

100.000

6%

768.609

574.349

429.187

320.714

239.656

179.085

133.823

100.000

8%

1.478.534

1.006.266

684.848

466.096

317.217

215.892

146.933

100.000

10%

2.810.244

1.744.940

1.083.471

672.750

417.725

259.374

161.051

100.000

12%

5.279.962

2.995.992

1.700.006

964.629

547.357

310.585

176.234

100.000

15%

13.317.552

6.621.177

3.291.895

1.636.654

813.706

404.556

201.136

100.000

 

Agora que conhecemos o montante acumulado aos 55 anos de idade, em cada hipótese de taxa de retorno e tempo que falta, quanto precisará poupar anualmente para acumular o valor de R$ 2.802.795 durante 25 anos, que é o nosso exemplo? O cálculo pode ser feito por meio de calculadora financeira ou planilha eletrônica, apurando o valor da prestação anual (tecla PMT da calculadora financeira), de R$ 87.505.

O Quadro 2 permite o cálculo do valor anual de poupança sem a utilização de calculadora financeira. O montante produzido aos 55 anos, pelos diferentes valores de contribuições anuais e taxas de retorno, é de R$ 1 milhão. Para calcular o valor anual de poupança, empregue o conceito de "regra de três" e proceda da seguinte forma:

   (1) localize no cruzamento entre 25 anos faltantes e a taxa de retorno de 2% ao ano, o valor de R$ 31.220;

   (2) em seguida, aplique a "regra de três", como segue: R$ 2.802.795 / R$ 1.000.000 x R$ 31.220 = R$ 87.503 (a diferença de R$ 2 surge em função dos arredondamentos de valores).

 

Quadro 2  Poupança anual necessária para acumular R$ 1 milhão até o início do período de aposentadoria.  

Taxa de

retorno

(% a.a.)

Idade atual (entre parênteses, o tempo de poupança até 55 anos)

20

25

30

35

40

45

50

55

(35)

(30)

(25)

(20)

(15)

(10)

(5)

0

0%

28.571

33.333

40.000

50.000

66.667

100.000

200.000

1.000.000

0,5%

26.215

30.979

37.652

47.666

64.364

97.771

198.010

1.000.000

1%

24.004

28.748

35.407

45.415

62.124

95.582

196.040

1.000.000

1,5%

21.934

26.639

33.263

43.246

59.944

93.434

194.089

1.000.000

2%

20.002

24.650

31.220

41.157

57.825

91.327

192.158

1.000.000

2,5%

18.206

22.778

29.276

39.147

55.766

89.259

190.247

1.000.000

4%

13.577

17.830

24.012

33.582

49.941

83.291

184.627

1.000.000

6%

8.974

12.649

18.227

27.185

42.963

75.868

177.396

1.000.000

8%

5.803

8.827

13.679

21.852

36.830

69.029

170.456

1.000.000

10%

3.690

6.079

10.168

17.460

31.474

62.745

163.797

1.000.000

12%

2.317

4.144

7.500

13.879

26.824

56.984

157.410

1.000.000

15%

1.135

2.300

4.699

9.761

21.017

49.252

148.316

1.000.000

 

Vamos testar os cálculos com base em exemplo desenvolvido. Pelo conceito de renda vitalícia, o investidor precisaria acumular R$ 2.966.856 até o início do período de aposentadoria (daqui a 25 anos) para receber benefício mensal complementar de R$ 4.900. Como ele já tem acumulado R$ 100 mil em “valor presente”, aplicando a taxa de retorno de 2% ao ano durante 25 anos, teremos um "valor futuro" de R$ 164.061. Podemos deduzir esse valor futuro (de daqui a 25 anos) do “valor futuro” de R$ 2.966.856 (também de daqui a 25 anos, portanto, da mesma data).

Detalhe importante! Não podemos simplesmente deduzir um “valor presente” de um “valor futuro”, pois eles não são valores de mesma data e, portanto, não são capitais equivalentes. O que podemos fazer é calcular o valor futuro equivalente na data presente (voltando 25 anos no tempo) ou atualizar o valor presente de R$ 100 mil para 25 anos à frente, na mesma data do valor futuro de R$ 2.966.856.

Demonstrando o cálculo:

Capital que gera renda mensal de R$ 4.900 (com taxa de retorno de 2% a.a. ou 0,165158% a.m.)

R$ 2.966.856

(-) Valor já existente atualizado para daqui a 25 anos

R$ 164.061

(=) Capital adicional necessário

R$ 2.802.795

 

Podemos, então, aplicar a regra de três sobre os números peviamente calculados do Quadro 2. Se, para acumular R$ 1 milhão, há necessidade de poupar R$ 31.220 por ano durante 25 anos com a taxa de retorno de 2% ao ano, podemos dividir R$ 2.802.795 por R$ 1 milhão e multiplicar o resultado por R$ 31.220, como segue: 

(R$ 2.802.795 / R$ 1.000.000) x R$ 31.220 = R$ 87.503 

Pronto! Temos o valor de R$ 87.503, que é o valor da poupança que deve ser feita anualmente durante os próximos 25 anos. É o mesmo valor que deve ser gerado no primeiro ano, no segundo ano, no terceiro ano... até o vigésimo quinto ano.

Na prática, pode não ocorrer exatamente como foi planejado. Pode ser que no primeiro ano seja possível poupar somente R$ 82.500; no segundo ano, mais R$ 89.000 e assim por diante. Nesse caso, é só recalcular os valores que precisam ser acumulados anualmente em função do prazo restante.

E, em outra hipótese, se o indivíduo tiver apenas 15 anos para poupar e a taxa de retorno real cair para 1,5% ao ano, por exemplo, quanto ele deverá poupar anualmente? No Quadro 2, no cruzamento entre 15 anos e 1,5% a.a., encontramos o valor de R$ 59.944. Logo: 

(R$ 2.802.795 / R$ 1.000.000) x R$ 59.944 = R$ 168.011

Na condição dessa hipótese, o futuro aposentado deveria poupar, em média, R$ 168.011 por ano. Caso não seja possível, deve contentar-se com condição de vida mais modesta, no futuro.

Da mesma forma, se quiser calcular a poupança anual necessária para acumular R$ 1.483.345 daqui a 25 anos, no caso de renda por tempo determinado, teríamos a seguinte situação:

 

Capital que gera renda mensal de R$ 4.900 (com taxa de retorno de 2% a.a. ou 0,165158% a.m.)

R$ 1.483.345

(-) Valor já existente atualizado para daqui a 25 anos

R$ 164.061

(=) Capital adicional necessário

R$ 1.319.284

 

Logo, 

Poupança anual necessária = (R$ 1.319.284 / R$ 1.000.000) x R$ 31.220 = R$ 41.188

 

Ou utilizando as teclas da calculadora financeira:

     VF = R$ 1.319.284

     N = 25 anos

     i = 2%

     PMT = ??    => R$ 41.189 (com arredondamento de R$ 1) 

 

Considerações finais

Ná há dúvida de que é cada vez mais imprescindível fazer um planejamento previdenciário, que nada mais é do que um planejamento financeiro de longo prazo. Verificar, de tempos em tempos como está evoluindo o seu patrimônio acumulado vai permitir ao futuro aposentado melhor qualidade de vida. Afinal de contas, é preciso controlar e administrar, além de planejar.

Para calcular a renda mensal que deseja receber durante a aposentadoria, pode ser aplicado o conceito de renda perpétua ou renda por prazo determinado. De qualquer forma, no longo prazo, o raciocínio deve ser desenvolvido sempre com base em juro real, isto é, eliminando o efeito da inflação.

E qual das duas formas de renda mensal adotar? Para acumular capital que remunere na forma perpétua, o sacrifício para poupar será muito maior (R$ 87,5 mil anuais contra R$ 41,2 mil anuais). Porém, se receber a renda por tempo determinado e viver mais do que o tempo previsto, haverá necessidade de gerar novas rendas.

A diferença de poupança anual necessária em 25 anos (do nosso exemplo) é muito grande entre um conceito e outro. Logo, o ideal é estudar e aplicar, ao longo do tempo, um "mix" das duas formas de receber a renda. Vale a pena, também, analisar a hipótese de recebimento de renda vitalícia aplicando em plano de previdência complementar, pois o patrimônio acumulado é menor do que no caso de renda perpétua. 

 

(*) Masakazu Hoji é professor universitário, palestrante e autor de livros de Finanças.

 

Adicionar comentário


Conteúdo Relacionado